O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Vozes da Outra Margem — Familiares diversos


CAPÍTULO 12


Desencarnação imprevista, quase um sonho…

Desencarna-se de mil modos… E, em todos eles, a Providência Divina se faz presente através dos Benfeitores Espirituais que nos assistem com técnicas especializadas, dando-nos forças e orientação no instante dessa Grande Mudança, na qual deixamos o veículo físico e regressamos ao Mundo Maior.

Aqui comparece Renato Fumagalli com sua interessante experiência, relatada em três cartas mediúnicas, quando num processo de desencarnação totalmente imprevisto pelos seus familiares, foi amparado pelo Espírito do avô, já a postos no momento certo, levando-o a se confundir, inicialmente, com um “sonho-realidade”.

Naquela noite, de 8 de janeiro de 1985, Renato havia deitado aparentando saúde perfeita. Mas, naquele sono derradeiro da existência carnal, sofreu um provável enfarte fulminante do miocárdio, com apenas 39 anos de idade.

Três semanas após uma Primeira e pequena Carta, escrita em 28 de setembro de 1985, com o objetivo maior de consolar e esclarecer sua filha de 12 anos, redigiu nova e longa Carta, aos 20 de outubro, igualmente pelo médium Chico Xavier, em Uberaba, explicando com detalhes sua valiosa experiência, vivida em seus primeiros passos na Pátria Espiritual.

A Terceira Carta só viria bem mais tarde, aos 23 de junho de 1986, com informações preciosas e reveladoras de um maior discernimento e progresso espiritual de Renato, principalmente depois que começou a frequentar um círculo de estudo em sua Nova Vida.


PRIMEIRA CARTA


1 Querida Marilu, n querido papai Sebastião com a mamãe Ana, n e todos os nossos. Peço que Jesus nos proteja.

2 Desculpe-me se o coração parou de repente, à feição de motor sem combustível.

3 Querida Marilu, sigo os seus pensamentos de amargura e saudades, que se identificam com os meus.

4 Fui recebido pelo meu avô Ambrósio, n que me ampara com dedicação que não sei como retribuir.

5 O papai Sebastião tem me auxiliado com muito devotamento, através das preces e dos pensamentos positivos n para o meu bem. Sou grato a ele.

6 Marilu — as nossos meninos vivem por dentro do meu coração. A Alessandra, o Rodrigo, o Renato e o Ricardo n moram espiritualmente comigo, qual se eu lhes fosse um grande espelho em que acabam todos em meu caminho.

7 Meu objetivo com esta carta ligeira é o de revê-los e abraçá-los a todos, mas principalmente quero pedir à nossa querida Alessandra que o papai sente muita saudades de sua presença de filha afetuosa e que nós dois nunca poderíamos brigar um com o outro. 8 Amo a querida Alessandra com todos os meus melhores sentimentos e espero que ela esteja tranquila. Não desejo vê-la preocupada ou imaginando que o papai ficou sentido por alguma bagatela de que não me lembro. 9 O que sei é que adoro a nossa filhinha e quero muito bem os nossos rapazes, hoje meninos, no entanto grandes jovens que nos proporcionarão muitas felicidades no amanhã.

10 Queridos pais e querida Marilu, não me sendo possível escrever mais, peço-lhes receber um jardim muito grande de agradecimentos e saudades do esposo e filho reconhecido de sempre,


Renato Fumagalli


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Marilu — Marilu Carvalho Fumagalli, esposa, residente em Limeira, SP, à Rua Boa Morte, 312.

2 — papai Sebastião e mamãe Ana — Sebastião Fumagalli e Ana Chiaradia Fumagalli, seus progenitores, residentes também em Limeira.

3 — avô Ambrósio — Ambrósio Fumagalli, desencarnado em 1971.

4 — O papai Sebastião tem me auxiliado (…) através das preces e dos pensamentos positivos — Fato plenamente confirmado pelo Sr. Sebastião, espiritualista, que, todas as noites, desde a desencarnação do filho, ora e vibra positivamente em benefício dele.

5 — Alessandra, Renato, Rodrigo e Ricardo — Seus filhos, na época das duas primeiras Cartas com as idades de 12, 10, 10 (gêmeos) e 8 anos.


SEGUNDA CARTA


1 Querida Marilu, peço ao Altíssimo para que a paz permaneça conosco.

2 Você fez muito bem resolvendo vir até aqui, em companhia de nossa irmã, porque as saudades têm sido o meu clima constante.

3 De nada me queixo, porque isso seria ingratidão para com aqueles que velam por nós, mas desejava escrever a você, dizendo que não é tão fácil para o homem acomodar-se com as imposições do afastamento compulsório do corpo físico, justamente quando a vida familiar está começando.

4 Decerto que procuro de minha parte estabelecer o clima de paciência e resignação de que especialmente nós dois devemos dar testemunho. No entanto, surgem os momentos, quais os desta semana que hoje termina, que há tanta dor por dentro da alma, que registra os sentimentos, ao lado daqueles que mais amamos. É uma desinibição medicamentosa.

5 Onde me encontro, disponho de todos os recursos para demonstrar tranquilidade e bom ânimo. No entanto, saiba você que semelhante atitude de contemporização é quase impossível.

6 Você não pode imaginar a minha surpresa naquela noite aparentemente calma. Vi-me em sonho, ao lado de meu avô Ambrósio. Vi um sonho-realidade, no qual o via tão claramente, como se estivéssemos juntos em plena luz.

7 Conversamos pelas ruas e, de minha parte, observava que o ar estava mais leve e mais puro. Em dado momento, um amigo se aproximou de nós e estendeu-me a mão fraterna. Meu avô apressou-se em apresentá-lo: — “Veja Renato, aqui é o nosso amigo Dr. Trajano Barros de Camargo, n um companheiro e um amigo de todos os momentos.” O recém-chegado sorriu, aumentando o meu espanto e diligenciou tranquilizar-me, afirmando: — “Já sei, meu caro rapaz. A nossa estranheza é muito grande nestes momentos.”

8 Aquele homem simpático e aquela voz… Não cheguei a tremer de susto; no entanto, admirei-me, como era natural. Estava ciente de que o Doutor Trajano fora um homem correto e de rara nobreza, mas sabia que estávamos dialogando com um amigo morto. Muitas vezes atravessara a rua que lhe guarda o nome, e de pronto nada consegui responder. Meu avô explicou-lhe que eu era um recruta, um novato naquela situação e o Doutor Trajano me colocou à vontade.

9 Manifestei o desejo de voltar à nossa casa e os dois me acompanharam. Entramos, desde que o Doutor Trajano possuía o aval do meu avô Ambrósio para agir com intimidade. O amigo permaneceu em nossa sala-de-estar e volvi ao quarto. 10 Quis acordar o meu próprio corpo; entretanto, a mudança havida me estremeceu. Meu corpo, de que me orgulhava tanto na boa apresentação, n estava imóvel.

11 À medida que os meus receios cresciam, o meu corpo espiritual, em cuja posse já havia entrado sem perceber, se mostrava mais consistente. 12 Esforcei-me um tanto mais; no entanto, sucedera o imprevisto com o qual nunca poderia contar. A minha máquina física estava inerte. 13 Pasmo e arrasando-me de dor, indaguei de meu avô se aquilo era a morte. E o avô Ambrósio, compadecendo-se de mim, fixou um gesto afirmativo em resposta. 14 Senti-me envolto num clima de gelo e caí nos braços de meu avô que me aconselhou a retirada.

15 Confesso a você, querida Marilu, que chorei convulsivamente, por mim, por você, por meus pais e por nossos filhos e não tive outro recurso senão aceitar o braço que o avô Ambrósio me oferecia para sair.

16 O Doutor Trajano, experiente e generoso, aproximou-se de nós e deliberou igualmente amparar-me. Foi quando me estirei nos braços de ambos os benfeitores e entrei num desmaio indescritível.

17 Despertei ignorando o tempo que despendera para tornar a mim próprio. A casa que me acolhia era simples e agradável. Uma senhora que me solicitou chamá-la por Ana, n que é o nome de minha mãe, se incumbia ali de prestar-me todos os favores que uma enfermeira de família concede a um doente.

18 Acho que me deixara cansado, neurotizado e difícil. O avô Ambrósio pediu-me calma e aconselhou-me a retornar ao hábito da prece por elemento de fixação de minha própria serenidade. 19 No entanto, por dentro de meu cérebro fatigado só havia restos de petições que minha mãe, nos tempos de menino, me ensinava a cultivar. Assim mesmo, destes restos fiz uma recomposição provisória e roguei a Deus me desse forças para aceitar a vida nova.

20 Começou para mim outra existência muito diversa daquela que me fora habitual. Asserenando o íntimo, pude rever você e os nossos filhos, compreendendo que a nossa amargura se identificava uma com a outra. Abracei meus pais e beijei as nossas crianças. A Alessandra me abraçou com mais força ante o meu abraço, enquanto o Rodrigo, Ricardo e Renato sorriam, n recordando o papai.

21 Não devo tomar tanto tempo aos amigos que nos hospedam e vou terminar. Peço a você coragem e paz. Não se sinta enfraquecida ou sozinha. 22 Estarei com você sempre que as circunstâncias me permitirem os abençoados períodos de voltar ao lar e conto com sua fortaleza de fé e otimismo, já que os seus cuidados atualmente se revestem de dupla função.

23 Saibamos interpretar as ocorrências com a força mental que os acontecimentos nos exigem e confiemos na Providência Divina.

24 Um abraço ao papai Sebastião e à mãezinha Ana. Beijos em nossa querida Alessandra, que vejo agora um tanto mais conformada, e o abração em nossos garotos que precisam sempre de nós e que nos cabe honrar com a nossa dedicação.

25 Para você, os pensamentos de carinho e confiança dos nossos tempos de noivado, com a certeza de que nos reencontraremos no grande futuro com todo coração seu, sempre seu,


Renato Fumagalli


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


6 — amigo Dr. Trajano Barros de Camargo — Engenheiro e Pioneiro da Indústria, desencarnado em 1930, foi patrão e amigo do avô Ambrósio. Em justa homenagem, seu nome foi dado a uma das principais ruas da cidade de Limeira.

7 — Meu corpo, de que me orgulhava tanto na boa apresentação — Escreveu-nos D. Marilu: “De fato, ele era uma pessoa que cuidava muito da apresentação de seu vestuário, com barba sempre bem feita, cabelos bem penteados, tudo impecável.”

8 — Ana — Provavelmente trata-se da bisavó materna, desencarnada em 1931.

9 — A Alessandra me abraçou com mais força ante o meu abraço, enquanto o Rodrigo, Ricardo e Renato sorriam — “Um dia, Alessandra levantou-se de manhã e disse que tinha sonhado com o pai. Ela estava na sala com os irmãos, quando Renato entrou, vestido de pijama, e a abraçou. Disse Alessandra que, nesse momento, ela chegou a sentir o calor de suas costas.” (D. Marilu)


TERCEIRA CARTA


1 Querido papai Sebastião. Rogo a Deus abençoar-nos.

2 A saudade é sempre um ímã abençoado, atraindo os corações dos que se amam. Tenho recebido os seus pensamentos tanto quanto os da mãezinha Ana, de nossa querida Marilu e da querida Maria Elisa. n

3 É isto mesmo. Muita gente crê que a família não se transporta para cá, onde somos informados de que residimos temporariamente no Mais Além da vida física, num tipo de existência tão semelhante à que levávamos aí; no entanto, a Natureza não dá saltos e é preciso nos acostumemos a reconhecer que os degraus aqui prevalecem para todos.

4 Por enquanto, em meu caso, somos o que éramos e estamos no lugar que nos compete, sem quaisquer concessões solenes que nos façam diferentes dos companheiros de desencarnação recente.

5 Pai, agradeço-lhe a compreensão e as reflexões do silêncio, nas quais lhe posso transmitir ao campo intuitivo muitas das realidades em que presentemente me encontro.

6 Minha mãe por vezes pergunta por que motivo teria eu encontrado a libertação do corpo físico, enquanto dormia, sem possibilidades de interferências humanas em meu corpo. 7 Querida Mãe! Isso é raciocínio de quem ama, colocando o coração acima do cérebro, mas rogo ao Senhor explicar-lhe que a desencarnação, do naipe da que me sucedeu, é uma bênção autêntica do Céu, porque talvez uma longa parada cardíaca me agredisse ao levantar-me e não teria alternativa senão aguentar indeterminado tempo de paralisia com os incômodos conexos. 8 Graças a Deus, voltei assim como quem dorme para acordar no outro dia na esperança de voltar à Terra, mas desperto na imortalidade, onde tudo para nós se faz mais fácil.

9 Sinceramente, não posso compreender as lágrimas da querida esposa Marilu e a dor da mãezinha Ana, sempre queixosas quanto à maneira pela qual fui desligado do corpo físico, à maneira do desparafusamento de um homem doente preso ao leito. É verdade que essa condição não era a minha, mas do ponto de vista físico eu era um doente verticalizado, prestes a se recolher para tratamento. E aqui tratamentos não me faltam.

10 Além da proteção de meu avô e do amigo doutor Trajano, tenho um amigo do qual o papai se lembrará. Trata-se do irmão Bertolini, n que em nossa cidade nos deu tantos exemplos de humildade e serviço ao próximo. Em companhia dele e do Waldyr Antônio n frequento um círculo de estudo, no qual tenho recebido muito amparo a fim de compreender a vida e entender a mim próprio.

11 Pai, muitas vezes ouvi suas referências a livros de importância para nossa preparação diante da desencarnação, mas não pude parar, em minha intensa movimentação de trabalho para estudá-los e anteceder-me no conhecimento da nova situação que me esperava. A sua bondade me desculpará por isso.

12 Descartei-me das meditações mais profundas acerca da vida, mas a verdade é que não pude me desvencilhar da necessidade de estudar, agora que a morte inesperada do corpo me impôs a obrigação de conhecer para melhorar-me e melhorar a minha própria situação.

13 Nesse sentido, qual lhe falo, prossigo perseguindo a minha renovação interior para conquistar novos recursos da Espiritualidade em meu próprio benefício. É nesse sentido que a companhia do amigo Bertolini me propicia grande bem, porque preciso revalorizar-me, de modo a ser um pai amigo e útil para o Renato, para o Ricardo, e para o Rodrigo e Alessandra, os filhos que a nossa querida Marilu vem preparando com sabedoria e precisão, dentro de sua bela capacidade intuitiva de mãe amorosa e dedicada. 14 Aliás, peço-lhe agradecer a ela por mim a bênção de paz que ela me proporciona, conduzindo os nossos filhos com a segurança que eu mesmo não possuía.

15 Agradeço-lhe ao coração paterno, à mãezinha Ana e à nossa Maria Elisa tudo o que fazem para prestigiar a minha esposa na missão educativa que ela tomou a si com tanto êxito.

16 De meu lado, vou melhorar no campo emocional, conquanto as saudades ainda sejam carga cerrada de preocupações em seu filho.

17 Meu avô é de parecer que devo prolongar o meu estágio em Limeira a fim de habilitar-me para novos serviços, e assim, reparto o meu tempo com a família, com os estudos e com as abençoadas contemplações de nossos laranjais.

18 Os sentimentos de filho, esposo e pai, por vezes, ainda me afloram à cabeça com a força de estranha compulsão, na qual fico a desejar compartilhar da existência que deixei, mas a prece tem me ensinado autodomínio, e tenho progredido um tanto em discernimento para aceitar a inoportunidade de meus intentos e permanecer em meu lugar próprio.

19 Penso que estas minhas notícias lhe farão bem, porque sempre notei a sua sinceridade em me desejando mais ampla integração com a Espiritualidade. Conforme pode notar, não perdi o que já detinha comigo e venho ampliando a minha capacidade de ver e refletir com a verdade.

20 Pai, peço-lhe abraçar, por mim, os seus quatro netos Rodrigo, Renato, Alessandra e Ricardo, como estão em pensamento me abraçando.

21 Peço a Jesus lhe conceda vida e saúde, muita alegria e bom ânimo em todos os seus passos, para que o vejamos ao lado da mãezinha Ana sempre contente e feliz.

22 E, desejando-lhe tudo aquilo que a vida nos possa doar de Bem e Belo, abraça-o, reconhecidamente, o filho e companheiro que lhe deve tanto, sempre o seu filho, muito grato,


Renato

Renato Fumagalli.


IDENTIFICAÇÕES


10 — Maria Elisa — Maria Elisa Fumagalli de Lima, irmã.

11 — irmão Bertolini, que em nossa cidade nos deu tantos exemplos de humildade e serviço ao próximo. — Foi amigo devotado do Sr. Sebastião Fumagalli. “Augusto Bertolini nasceu em Luca, Itália, a 2/11/1878, e faleceu em São Paulo, Capital, a 28/8/1961. Nas últimas décadas de sua vida residiu em Limeira, SP, exercendo a profissão de viajante: Colaborou ativamente nas campanhas pró construção do Sanatório Antônio Luiz Sayão, de Araras, inclusive participando de longas viagens pelo país. Quando da organização da primeira diretoria deste hospital, assumiu o cargo de vice-presidente, e sua esposa, D. Alice, integrou o Conselho Consultivo.” (Reencontros, F.C. Xavier, Espíritos Diversos, H.M.C. Arantes, cap. 6, Nota nº 10, p. 39.) Ver também, no cap. 9 desta obra citada, (Ree) o interessante reencontro de Chico Xavier com o Espírito de Augusto Bertolini, na cidade de Uberaba, em 1968.

12 — Waldyr Antônio — Waldyr Antônio Feola (8-5-1924 — 26-9-1978) foi antigo funcionário da Prefeitura Municipal de Limeira.


Hércio Arantes


Abrir