O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Poetas redivivos — Autores diversos


81 n


Recordações em Leopoldina

  1 À sombra amiga destes montes calmos,
Meu pobre coração de anacoreta,
Amortalhado em fina roupa preta,
Desceu à escuridão dos sete palmos.


  2 Viera o fim dos sonhos intranquilos,
Entre grandes e estranhos pesadelos,
Satisfazendo aos trágicos apelos
Da guerra inexorável dos bacilos.


  3 A morte terminara o horrendo cerco,
Sufocando as moléculas madrastas…
Eram trilhões de células nefastas,
Voltando à paz do túmulo de esterco.


  4 Indiferente aos últimos perigos,
Meu corpo recebeu o último beijo
E comecei o lúgubre cortejo,
Sustentado nos braços dos amigos.


  5 Em triste solilóquio no trajeto,
Espantado, fitando as mãos de cera,
Rememorava o tempo que perdera,
Desde as primárias convulsões do feto.


  6 Porque morrer amando e haver descrido
Do Eterno Sol do qual vivera em fuga?
Como é sombrio o pranto que se enxuga
Pelo infinito horror de haver nascido!…


  7 Depois, vi-me no campo onde a dor medra,
Ao contato do chão frio e profundo,
Chegara para mim o fim do mundo,
Entre as cruzes e os dísticos de pedra.


  8 Terrível comoção pintou-me a cara,
Na escabrosa cidade dos pés juntos,
Tornara-se defunta entre os defuntos,
Toda a ciência de que me orgulhara.


  9 Trêmulo e só, no leito subterrâneo,
Sentia, frente à lógica dos fatos,
O pavor dos morcegos e dos ratos,
Dominar os abismos de meu crânio.


  10 Meus ideais mais puros, meus lamentos,
E a minha vocação para a desgraça
Reduziam-se à mísera carcassa
Para o açougue dos vermes famulentos.


  11 Em seguida, o abandono, enfim, do plasma,
Os micróbios gritando independência…
E tomei nova forma de existência
Sob a fisiologia do fantasma.


  12 Fugindo então ao gelo, à sombra e à ruína,
Do caos sinistro em que vivi submerso,
Revelou-se-me a glória do universo,
Santificado pela Luz Divina.




  13 Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços,
Nem arranque meu corpo à última furna,
É Leopoldina a generosa urna,
Que, acolhedora, me resguarda os ossos.


  14 Beije minhalma alegre o pó da rua,
Deste painel bucólico e risonho,
Onde aprendi, no derradeiro sonho,
Que o mistério da vida continua…


  15 Bendita seja a terra augusta e forte,
Onde, através das vascas da agonia,
Encontrei a mim mesmo, em novo dia,
Pelas revelações de luz da morte.


Augusto dos Anjos


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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