O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Entre a Terra e o Céu — André Luiz


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Reconciliação

(Sumário)

1. Amaro não registou o convite da companheira desencarnada, em forma de palavras ouvidas, mas recebeu-o como silencioso apelo à vida mental.

2 Dirigiu-se a pequenina copa, pensando em Zulmira, com o insopitável desejo de comunicar-lhe o estranho contentamento de que se via possuído.

Não seria justo envolver a esposa doente na onda de alegria em que se banhava?

3 Vimos que Odila tremeu um instante, ao lhe observar a súbita felicidade com a perspectiva de restauração do carinho para com a segunda mulher. 4 Compreendi o esforço que a iniciativa lhe reclamava ao coração feminino e, mais uma vez, reconheci que a morte do corpo não exonera o Espírito da obrigação de renovar-se. 5 No fundo, não podia sentir, de imediato, plena isenção de ciúme, entretanto, aceitava o ideal de sublimação que se lhe implantara no sentimento e não parecia disposta a perder a oportunidade de reajuste.

6 Anotando-lhe a queda de forças, Clara abeirou-se dela e falou, maternal:

— Prossigamos firmes. Todo bem que fizeres a Zulmira redundará em favor de ti mesma. Não esmoreças. Ajuda-te. A vontade, à procura do bem, realiza milagres em nós mesmos. O sacrifício é o preço da verdadeira felicidade.

7 O abraço afetuoso da benfeitora infundiu-lhe energias novas.

Os olhos dela brilharam outra vez.

Enlaçada ao marido, impeliu-o docemente ao leito em que a pobre doente repousava.

8 A enferma, por certo, desde muito perdera o contato com qualquer manifestação afetiva por parte do companheiro, e, assim, ao lhe ver o semblante carinhoso e feliz, exibiu larga nota de espanto.

— Zulmira! — Perguntou ele, inclinando-se para o seu rosto ossudo e desconsolado, — estás realmente melhor?

— Sim… sim… — Suspirou a interpelada, hesitante.

9 — Escuta! Hoje, amanheci pensando em nós, em nossa felicidade… Não julgas seja tempo de reagirmos contra o sofrimento que nos cerca? Preocupo-me por ti, acamada e abatida, desde a morte de Júlio…

10 Notei que do tórax de Amaro emanava largo fluxo de energia radiante, assim como um jato de raios de luz verde-prateada que envolveram o busto de Zulmira, despertando-lhe emotividade incoercível.

A desventurada senhora começou a chorar, n dando-nos a impressão de que os fluidos arremessados sobre ela lhe lavavam o coração.

11 Clarêncio, calmo, informou:

— Como vemos, a sinceridade dispõe de recursos característicos. Emite forças que não deixam margem a enganos. O sentimento puro com que Amaro se dirige agora à esposa é fator decisivo para que ela se reerga e se cure.

12 O ferroviário, auxiliado por Odila, enxugou as lágrimas que corriam copiosas daqueles olhos macerados e tristes e continuou:

— Peço confies em mim! Afinal de contas, somos companheiros um do outro… Como poderei ser feliz sem o teu concurso? Não nos casamos para chorar…

13 — Amaro! — Exclamou a interlocutora agoniada, conservando ainda os últimos resíduos mentais do complexo de culpa em que se torturava, — como te agradeço a alegria desta hora!… Entretanto, a imagem de Júlio não me sai da lembrança… Sinto que o remorso me persegue. Não fiz tudo o que eu devia para salvar o filhinho que me confiaste!…

14 — Esqueçamos o passado, — asseverou o esposo, decidido, — todos pertencemos a Deus e acredito que a Divina Vontade vive conosco, em toda parte. Indiscutivelmente, Júlio nos faz muita falta, mas não podemos renunciar à vida que o Céu nos concedeu. É imprescindível lutar, procurando a vitória.

15 Ligado à mente da primeira esposa, que tudo fazia por ajudá-lo, prosseguiu com enternecedora inflexão de voz:

— Não olvides que pertencemos aos compromissos morais que assumimos… O carinho do meu caçula significava muitíssimo para o meu coração, contudo, não pode ser mais importante que o nosso amor!… Refaze-te! Vivamos nossa vida!… Temos Evelina e a nossa felicidade!…

16 A doente sentou-se, de olhos reanimados e diferentes.


2. E, enquanto o esposo acomodava-se ao lado dela, vimos Odila, de fisionomia satisfeita, dirigir-se ao quarto da filha.

2 Instintivamente acompanhamo-la, de modo a assisti-la em qualquer dificuldade. Ela, porém, com inefável surpresa para nós, colocou a destra sobre a fronte da menina, solicitando-lhe a presença.

3 Findos alguns instantes, Evelina, em Espírito, voltou ao aposento em que seu corpo repousava.

Vendo a mãezinha, correu a abraçá-la. Fundiram-se ambas num amplexo longo e comovedor, misturando-se as lágrimas.

— Enfim! Enfim!… — Clamou a jovem maravilhada.

— Minha filha! Minha filha!

4 E, em seguida, a genitora descansou nela os olhos inflamados de esperança, pedindo súplice:

— Evelina, ajuda-nos! Se não nos unirmos sob a luz da compreensão e do trabalho, nossa casa desaparecerá… Teu pai e eu não podemos dispensar-te o concurso. Da saúde e da paz de Zulmira depende a feliz continuação de nossa tarefa… Deus não nos reúne para a indiferença ou para o egoísmo e sim para o serviço salutar de uns pelos outros!…

5 — Mãezinha, — explicou a jovem extática, — tenho orado, tenho pedido ao seu coração nos auxilie… n

— Sim, Evelina, sei que em tua abnegação não te descuidas da prece. Jesus terá recebido teus rogos… Achava-me surda, vitimada pelo ruído destruidor de minha própria incompreensão. Sinto, porém, que minhalma desperta hoje… e vejo que nos compete algo fazer para restaurar o valor de teu pai e a alegria de nossa casa…

6 — Continuarei orando…

— Não olvides a prece, querida, mas a súplica que não age pode ser uma flor sem perfume. Peçamos o socorro do Senhor, algo realizando para contribuir em seu apostolado divino… 7 Comecemos por refundir a confiança em tua nova mãe. Faze-te melhor para ela… Procura-a, desdobra-te no trabalho de preservação da tranquilidade doméstica, a fim de que Zulmira se veja segura de teu afeto e de teu entendimento filial… 8 Uma rosa sobre a mesa, uma vassoura diligente, uma peça de roupa cuidadosamente guardada, uma escova no lugar que lhe compete, são serviços de Jesus, no santuário da família, com os quais devemos valorizar o pensamento religioso… 9 Não te detenhas tão somente nas boas intenções. Movimenta-te no trabalho encorajador da harmonia. Sê o anjo do serviço em nossa casinha singela! Zulmira necessita de uma irmã, de uma filha!… Aproveita a oportunidade e faze o melhor!…


3. Evelina, com indefinível contentamento a iluminar-lhe o rosto, enlaçou a mãezinha com extremada ternura e beijou-a, muitas vezes.

2 Logo após, passando a obedecer à mensageira, retomou o corpo carnal e acordou deslumbrada.

Tão grande se lhe afigurava a própria ventura que detinha a impressão de estar descendo da alegria celestial.

A imagem de Odila, carinhosa e bela, ocupava-lhe, agora, todo o espelho da mente.

3 Estendeu as mãos em torno como se ainda pudesse tocar a genitora com os dedos de carne, conservando perfeita lembrança da inolvidável entrevista.

Intensamente feliz, ergueu-se de um salto e vestiu-se.

Finda a higiene rápida, vimos Odila recolhê-la nos braços, conduzindo-a igualmente até Zulmira.

4 Induzida pela influência materna, passou pela copa e chegou junto da madrasta, oferecendo-lhe pequena bandeja com a leve refeição da manhã. Amaro e a companheira receberam-na, encantados.

— Meu Deus, — disse a doente, sorrindo, — tenho a impressão de que um anjo penetrou nossa casa. Tudo hoje amanheceu contentamento e bom ânimo!…

5 Evelina alcançou o leito, reuniu os dois cônjuges num só abraço e falou, jubilosa:

— Sonhei com mãezinha! Vi-a tão nítida, como se ainda estivesse conosco. Afirmou que necessitamos de amor e recomendou seja eu para Zulmira a filha que ela não tem!… Ah! Que felicidade!… Mamãe ouviu minhas preces!

6 O ferroviário anotou, satisfeito, a informação, guardando, porém, consigo mesmo as recordações da noite para não ferir as suscetibilidades da companheira, e Zulmira, a seu turno, embora lembrasse os repetidos pesadelos que atravessara, sentindo-se atormentada pelos ciúmes de Odila, abafou as próprias reminiscências, para aderir com toda a alma ao otimismo daquele abençoado momento de paz e renovação.

7 Fixando a madrasta, com embevecimento, a menina acrescentou:

— Quero ser melhor, mais diligente e mais amiga!… Papai, você e eu seremos doravante mais felizes.

8 A pobre senhora suspirou reconfortada e aduziu:

— Sem dúvida alguma, Odila deve ser o nosso gênio protetor… É muita alegria nesta manhã para que a nossa ventura seja simples sonho ou mera coincidência!

9 Aquele testemunho de gratidão, partido com a melhor espontaneidade da mulher considerada, até então, por inimiga, tocou as recônditas fibras da primeira esposa de Amaro que, incapaz de suportar a emoção, começou a chorar entre o reconhecimento e o regozijo.

10 Irmã Clara abraçou-a e falou, humilde:

— Chora, minha filha! Chora de júbilo! Em verdade, quando o amor sublime penetra em nosso coração, a luz do Senhor passa a reger os passos de nossa vida.


André Luiz


[1] [No original: “começou a corar,”]

[2] [Vide: A recepção da prece de Evelina no Templo do Socorro, instituição do Ministério do Auxílio, em Nosso Lar.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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