O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Antologia dos Imortais — Autores diversos — 2ª Parte


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Bulhão Pato


EPÍSTOLA DO ALÉM n

1 Abisma-se minha alma aos impulsos da prece,
Fitando a dor além que a muitos entristece…


2 Pelos campos da morte onde o mal prepondera, n
O ente humano enfermiço agita-se qual fera.


3 A voragem hiante eletriza e arrebata
O espírito rendido à revolta insensata.


4 Na grande inquietação do ser que a tudo anela
E que descobre, alfim, que a carne se esfacela,


5 A alma forte que ria, hoje chora a sofrer
Na vastidão do umbral que transfigura o ser.


6 Cavernas e pauis, precipícios e furnas…
Mausoléus de quem vive em névoas taciturnas…


7 Neblina e fetidez… O tempo, em caos, dormita… n
Horrendos animais em urros, choro e grita… n


8 Cada vulto é um dragão que indignado ulula
Preso à inveja, à vingança, à dissensão, à gula…


9 E arrasta-se a sentir remorsos de culpado
Em frio enregelante e em calor abafado.


10 A populaça brame… E avança o turbilhão
No gargalhar febril de caminho malsão!


11 Os farrapos da vida, errantes pelo espaço,
Pervagam sem parar, gemendo a passo e passo…


12 Mas todos saldarão os seus mais torvos crimes,
Sob a luz do porvir, em vitórias sublimes,


13 Quando renascerão na carne redentora
Guardados pela dor, nossa mestra e tutora!


14 E o visitante, em meio aos seres padecentes,
Rega a senda que pisa em lágrimas pungentes.


15 Alguém pode esquecer, no imo de si mesmo, n
Tantas almas na dor a chorarem a esmo?…


16 Reflete, amigo, assim, que aí em teu remanso
O pranto irado e hostil profana o luar manso…


17 Quando em fúria te açoite a borrasca do inverno,
Aceita a provação que é luz do Sol Eterno!


18 Há muito companheiro entregue ao sofrimento,
Sob materialismo ingrato e virulento.


19 O ateu, estátua viva a morrer enganado, n
Acalenta consigo estranho e horrível fado…


20 O crime que passou, no qual ninguém mais pensa,
Resta ecoando na alma, igual rude sentença…


21 Oferece a quem chora o afago da ternura;
Aos frêmitos de dor, a bênção doce e pura.


22 O serviço do amor, sem láurea ou recompensa,
Ser-te-á nova luz na luz divina e imensa. n


23 Não olvides jamais o conceito imortal:
Há alegria no bem e há tristeza no mal!… n


Raimundo Antônio de BULHÃO PATO — Poeta, prosador e tradutor português, Bulhão Pato pertenceu à Academia das Ciências de Lisboa, tendo ido para Portugal com apenas 9 anos de idade. Afirma João Gaspar Simões que o poeta, amigo dileto de Alexandre Herculano, frequentou a roda dos maiores escritores da época. Poeta harmonioso, espontâneo e apaixonado, foi, segundo Mendes dos Remédios (Hist. Lit. Port., pág. 582), “o último representante da escola típica do Romantismo, cujos fundadores conheceu e tratou”. (Bilbau, Espanha, 3 de Março de 1829 — Torre da Caparica, Portugal, 24 de Agosto de 1912.)

BIBLIOGRAFIA: Paquita; Flores Agrestes; Livro do Monte; etc.


Nota: A fim de que possamos observar o gosto do poeta para os alexandrinos dispostos em parelhas, vamos transcrever-lhe apenas pequeno trecho de “O Pinheiro Bravo” (apud Cláudio Brandão, Antol. Contemp., págs. 423-424):

“………

Da cruel granizada, em tempos de invernia,

Muita vez me abrigou a tua ramaria!


O furacão austral não te insultava a fronte —

Em-pé; robusto e só, no píncaro do monte!”



[1] Refere-se o poeta às regiões purgatoriais da Espiritualidade.

[2] O Espírito, no Umbral, perde a noção do tempo-hora.

[3] O poeta faz alusão aos casos de zoantropia. Em grande parte, formas licantrópicas.

[4] Ler com hiato: no/ i/mo e a/ es/mo.

[5] Belíssima imagem: “o ateu, estátua viva a morrer…”

[6] Epímone: “nova luz na luz divina”. — Cf. 1ª nota do cap. 3 da 1ª Parte.

[7] Dupla antítese.


(Psicografia de Waldo Vieira)


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