O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Aulas da Vida — Autores diversos


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Engano

1 Desde que Dona Marina acolhera um pobre rapaz doente, em seu próprio carro, por duas vezes consecutivas, conduzindo-o a tratamento no hospital, que os mexericos principiaram…
Agitou-se o bairro.
“Dona Marina extraviara-se do lar, Dona Marina se inimizara com o marido e aceitara um companheiro diferente”, falava-se aqui e além, a comentários sussurrados. Segredo de boca em boca.

2 A imaginação doentia completava os esboços que a malícia traçava. Claro que o segundo homem devia ser um moço endinheirado e bonitão… Dona Marina, de modo algum, se comprometeria com um joão-ninguém.

3 E, de bisbilhotice em bisbilhotice, quando o assunto chegou ao marido, o pobre do Placidino, devotado contador sempre encerrado no escritório, o caso parecia uma corrente de enxurrada, desembocando num recôncavo de vale tranquilo. Não ficou terra de bondade, nem planta de afeto que não tomassem lama grossa.

4 Placidino para logo se envenenou.
“Ah!… — resmungava, interpretando simples passeios da mulher por encontros indesejáveis — bem que a vejo mudada!… Vestidos e mais vestidos, gargalhadas para dar e vender e automóvel com alta quilometragem…” Ao passo que ele, marido e pai exemplar, se esfalfava por cima de números, pagando o reconforto da casa, a companheira se espolinhava em desequilíbrios e infidelidade — pensava em desconsolo.

5 Por tudo isso, regressava ao lar, noite a noite, derramando reprovação e azedume. Reclamava, altercava. Nutria acusações, sem poder exprimi-las de viva voz. Queria provas, quanto à deslealdade da mulher, e, enquanto as provas não vinham, passou a ocultar um revólver carregado de balas no próprio bolso. E raciocinava: se visse a esposa com outro, matá-la-ia sem vacilar… E depois?… Depois, que faria da própria existência?!… Valeria a pena sobreviver? Não. Encontraria meios de abater o agressor e aniquilar-se. Os dois filhinhos do casal teriam a proteção dos avós. Ele, Placidino, não aspirava a permanecer no mundo, além da tragédia, se a tragédia se consumasse.

6 E, ruminando ideias de homicídio e suicídio, no caldo do ciúme, tampado no peito em ponto de explosão, Placidino voltou ao lar, certa noite, em horário imprevisto, com a empregada ausente e os filhos em férias escolares num sítio distante… Dona Marina recebeu-o alegre, mas naturalmente intrigada, indagando que acontecia para que o esposo retornasse mais cedo. Ria-se. Parecia querer detê-lo na sala-de-estar para entendimento mais longo. Não sabia que a expectação angustiada do esposo exprimisse desconfiança e pediu-lhe as razões da tristeza que lhe categorizava o abatimento.

7 Placidino não respondeu. Desvencilhou-se-lhe das carícias, repelindo-lhe o abraço e avançou para o quarto de dormir, seguido por ela; e, estarrecido, viu que um homem se ocultava na peça íntima, sob cortina espessa. Cego de ciúme e desesperação, não parou a mente em descontrole para pensar. Sacou da arma, alvejou o desconhecido, disparou contra a esposa e, em seguida, varou o próprio crânio, desmontando-se no tapete.

8 Três mortos em alguns minutos.
E, somente mais tarde, Placidino, desencarnado, veio a saber, na Vida Maior, que o homem do aposento, cuidadosamente enrolado no reposteiro, era um irmão anônimo e infeliz que ali se escondera unicamente para roubar.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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