O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Fevereiro de 1864.

(Idioma francês)

VARIEDADES.


Manifestações de Poitiers.

(Sumário)

1. — O Journal de la Vienne, de 21 de janeiro, narra o seguinte fato, que outras folhas reproduziram:

“Há cinco ou seis dias dá-se um fato de tal modo extraordinário na cidade de Poitiers,  †  que se tornou assunto de conversas e dos mais estranhos comentários. Todas as noites, a partir das seis horas, ruídos singulares são ouvidos numa casa da Rua Neuve-Saint-Paul, habitada pela senhorita de O…, irmã do Sr. conde de O… Segundo nos contaram, esses ruídos fazem o efeito de disparos de artilharia; violentos golpes parecem desferidos nas portas e postigos. A princípio atribuíram-lhe a causa a algumas brincadeiras de gaiatos ou de vizinhos mal-intencionados. Foi organizada uma vigilância das mais ativas. Ante a queixa da Srta. de O…, a polícia tomou as mais minuciosas medidas: agentes foram emboscados no interior e no exterior da casa. Não obstante, produziram-se as explosões e sabemos, de fonte segura, que um tal M…, marinheiro, durante a penúltima noite foi tomado de tal comoção que até hoje ainda não recobrou a consciência.

“Nossa cidade inteira se preocupa com esse inexplicável mistério. Os inquéritos até hoje feitos pela polícia não levaram a nenhum resultado. Cada um procura a chave deste enigma. Algumas pessoas iniciadas no estudo do Espiritismo pretendem que os Espíritos batedores são os autores de tais manifestações, às quais não seria estranho um famoso médium, que, no entanto, já não reside no bairro. Outros lembram que outrora existia um cemitério na Rua Neuve-Saint-Paul, e não precisamos dizer a que conjecturas se entregam a esse respeito.

“De todas essas explicações, não sabemos qual a melhor. A verdade é que a opinião está muito excitada com o caso e ontem à noite uma multidão considerável se havia reunido sob as janelas da casa de O…, obrigando a autoridade a requerer um piquete do 10º batalhão de caçadores,  †  para evacuar a rua. No momento em que escrevemos, a polícia e a guarda ocupam a casa.”

O relato desses fatos nos foi transmitido por várias correspondências particulares. Embora nada tenham de mais estranho que os fatos comprovados de manifestações ocorridas em diversas épocas e estejam nos limites do possível, convém suspender o julgamento até mais ampla constatação, não do fato, mas da causa, pois não se deve imputar aos Espíritos tudo aquilo que não se compreende. Também é preciso desconfiar das manobras dos inimigos do Espiritismo e das armadilhas que podem estender, para tentar levá-lo ao ridículo pela excessiva credulidade de seus adeptos. Vemos com satisfação que os espíritas de Poitiers, nisto seguindo os conselhos contidos em O Livro dos Médiuns, e as advertências que temos feito na Revista, mantêm-se, até segunda ordem, numa prudente reserva. Se for uma manifestação, será provada pela ausência de toda causa material; se for uma charlatanice, os autores, como já fizeram tantas vezes, terão contribuído, sem o querer, para despertar a atenção dos indiferentes e provocar o estudo do Espiritismo. Quando fatos análogos se multiplicarem por todos os lados, como é anunciado, e quando em vão buscarem a causa neste mundo, haverão de convir que está no outro. Em qualquer circunstância os Espíritos provam sabedoria e moderação; é a melhor resposta a dar aos adversários.


[Revista de março de 1864.]

2. MANIFESTAÇÕES DE POITIERS.

(2º artigo.)

Os fatos que noticiamos em nosso último número, sobre os quais havíamos deixado pendente a nossa opinião, parecem incluir-se definitivamente na esfera dos fenômenos espíritas. Um exame atento das circunstâncias de detalhes não os permite confundir com atos de malevolência ou de esperteza. Parece difícil que pessoas mal-intencionadas pudessem escapar à atividade da vigilância exercida pela autoridade e, sobretudo, que possam agir no momento mesmo em que são espreitadas, sob os olhos daqueles que as buscam, aos quais, certamente, não falta boa vontade para as descobrir.

Tinham feito exorcismos, mas depois de alguns dias de suspensão, os barulhos recomeçaram com outro caráter. Eis o que a propósito disse o Journal de la Vienne, em seus números de 17 e 18 de fevereiro:


“Recordam-se que no mês de janeiro último, fazendo a sua solene aparição em Poitiers, os Espíritos batedores foram acampar na Rua Saint-Paul, na casa situada perto da antiga igreja do mesmo nome; mas sua estada entre nós tinha sido de curta duração e tinha-se o direito de pensar que tudo estava acabado, quando, anteontem, os ruídos que tão fortemente haviam agitado a população se reproduziram com nova intensidade.

“Os diabos negros, pois, voltaram à casa da Srta. de O…; apenas não são mais Espíritos batedores, mas atiradores, agindo por meio de detonações formidáveis. Celebraremos sua festa no dia de Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros. Sempre há os que se satisfazem com isto, as procissões de curiosos recomeçam e a polícia interroga todos os ecos para se guiar através do nevoeiro do outro mundo.

“Contudo, espera-se que desta vez se descubram os autores dessas mistificações de mau gosto e que a justiça saiba bem provar aos exploradores da credulidade humana que os melhores Espíritos não são os que fazem mais barulho, mas os que sabem calar e só falam o que convém.”


A. Piogeard.


“Voltamos sempre à Rua Saint-Paul, sem poder penetrar o mistério infernal.

“Quando interrogamos uma pessoa que passeia com um ar preocupado diante da casa da Srta. de O…, invariavelmente ela responde: “De minha parte nada ouvi, mas alguém me disse que as detonações eram muito fortes.” O que não deixa de ser muito embaraçoso para a solução do problema.

“Entretanto, é certo que os Espíritos possuem algumas peças de artilharia, inclusive de grosso calibre, porque o barulho resultante tem uma certa violência e dizem que se assemelha ao produzido por pequenas bombas.

“Mas, de onde vêm? Impossível até agora determinar a sua direção. Não provêm do subsolo, já que tiros de pistola dados no porão não se ouvem no primeiro andar.

“É, pois, nas regiões superiores que devem ser apanhados e, contudo, todos os processos indicados pela Ciência ou pela experiência para atingir esse resultado foram impotentes.

“Dever-se-ia, então, concluir que os Espíritos possam impunemente atirar sua pólvora nos pardais e perturbar o repouso dos cidadãos sem que seja possível alcançá-los? Esta solução seria muito rigorosa; com efeito, por certos processos, ou em virtude de alguns acidentes de terreno, podem produzir-se efeitos que, à primeira vista, surpreendem, mas dos quais se admiram, mais tarde, por não haverem compreendido o mecanismo elementar. São sempre as coisas mais simples que escapam à apreciação do homem.

“Somos fortemente levados a crer que, se os atiradores do outro mundo neste momento têm ao seu lado os que riem, estão longe de ser inatingíveis. Que se convençam os mistificadores: os mistificados terão sua vez.”


A. Piogeard.


O Sr. Piogeard parece se debater singularmente contra a evidência. Dir-se-ia que, sem o saber, uma dúvida se insinua em seu pensamento; que teme uma solução contrária às suas ideias; numa palavra, dá-nos a impressão dessas pessoas que, recebendo uma má notícia, exclamam: “Não, isto não; isto é impossível; não posso acreditar!” e que tapam os olhos para não ver, a fim de poderem afirmar que nada viram. Por um dos parágrafos acima, parece lançar dúvida sobre a própria realidade dos ruídos, porque, em sua opinião, todos aqueles a quem interroga dizem nada ter ouvido. Se ninguém ouviu, não compreendemos por que tanto rumor, pois não haveria mal-intencionados nem Espíritos.

Num terceiro artigo sem assinatura e que o jornal diz ser o último, ele dá, enfim, a solução desse problema. Se os interessados não a julgarem categórica, será sua falta e não dele.

“Desde algum tempo temos recebido cartas, em cada correio, quer de nossos assinantes, quer de pessoas estranhas ao Departamento, nas quais nos pedem informações mais circunstanciadas sobre as cenas cujo teatro é a casa de O… Dissemos tudo quanto sabíamos; repetimos em nosso jornal tudo quanto se diz em Poitiers a esse respeito. Já que nossas explicações não pareceram completas, eis, pela última vez, nossa resposta às perguntas que nos são dirigidas:

“É perfeitamente certo que ruídos singulares são ouvidos todas as noites, de seis horas à meia-noite, na Rua Saint-Paul, na casa de O… Esses ruídos assemelham-se aos produzidos por descargas sucessivas de uma espingarda de dois canos; abalam as portas, as janelas e os tabiques. Não se percebe luz nem fumaça; não se sente nenhum odor. Os fatos foram constatados pelas pessoas mais dignas de fé de nossa cidade e por inquéritos da polícia, a pedido da família do Sr. Conde de O…

“Existe em Poitiers uma associação de espiritistas; mas, a despeito da opinião do Sr. D…, que nos escreve de Marselha, não veio ao pensamento de nenhum dos nossos concidadãos, muito espirituosos para isto, que os espíritas tivessem algo a ver com a aparição dos fenômenos. O Sr. H…, de Orange, acredita em causas físicas, em gases que se desprendem de um antigo cemitério, sobre o qual teria sido construída a casa de O… Mas a casa é construída sobre a rocha e não existe nenhum subterrâneo que com ela se comunique.

“Por nossa conta, pensamos que fatos estranhos e ainda inexplicados, há mais de um mês perturbando o repouso de uma família honrada, não ficarão sempre no estado de mistério. Cremos numa fraude muito habilidosa e esperamos ver em breve os fantasmas da Rua Saint-Paul entrando na polícia correcional.”


[Revista de maio de 1864.]

3. MANIFESTAÇÕES DE POITIERS.


Conforme nos disseram, os ruídos que tinham posto em alvoroço a cidade de Poitiers cessaram completamente, mas parece que os Espíritos barulhentos transportaram o teatro de suas proezas para as cercanias. Eis o que, a respeito, se lê no Pays:

“Os Espíritos batedores de Poitiers começaram a fazer escola e povoam os campos vizinhos. Escrevem de Ville-au-Moine, a 24 de fevereiro, ao Courrier de la Vienne (não confundir com o Journal de la Vienne, especial para a casa de O.):

“Senhor redator,

“Desde alguns dias nossa região está preocupada com a presença, em Bois-de-Doeuil,  †  de Espíritos batedores que espalham o terror em nossas aldeias. A casa do Sr. Perroche é seu ponto de encontro: todas as noites, entre onze horas e meia-noite, o Espírito se manifesta por nove, onze ou treze pancadas, marcadas por duas e uma, e às seis da manhã, pelo mesmo barulho.

“Notai, senhor, que esses golpes são dados à cabeceira de uma cama onde se deita uma mulher, semimorta de pavor, que garante receber as comunicações de um tio de seu marido, morto em nossa cidade há um mês. Como é difícil acreditar nestas coisas, eu e vários de meus amigos quisemos conhecer a verdade e, para isto, fomos dormir em Bois-de-Doeuil, onde testemunhamos os fatos que nos haviam assinalado; vimos até agitar, no sentido longitudinal, o berço de uma criança, que parecia não estar em contato com ninguém.

“A princípio rimos da coisa, mas vendo que todas as precauções tomadas para descobrir um estratagema nenhum resultado tinham dado, retiramo-nos com mais estupor que vontade de rir.

“Se o barulho continuar, a casa do Sr. Perroche não será suficientemente grande para receber os curiosos que, de Marsais,  †  Priaire,  †  Migré,  †  Doeuil  †  e mesmo de Villeneuve-la-Comtesse,  †  vêm aos bandos para lá passar a noite e tentar descobrir as profundezas desse mistério.

“Aceitai, etc.”


Não faremos sobre tais acontecimentos senão uma curta reflexão. Ao relatá-los, o Journal de la Vienne tinha anunciado reiteradamente que estavam na pista do ou dos engraçadinhos que causavam aquelas perturbações, e que não tardariam a prendê-los. Se não o conseguiram, não podem acusar a autoridade de negligência. Como é possível, numa casa ocupada de alto a baixo por seus agentes, que esses engraçadinhos pudessem continuar suas manobras em sua presença, sem que lhes fosse possível apanhá-los? É preciso convir que eles tinham, ao mesmo tempo, muita audácia e muita habilidade, desde que se safaram da força policial sem serem vistos. Além disso, é preciso que esse bando de espertalhões seja muito numeroso, pois fazem as mesmas brincadeiras em diversas cidades e a anos de intervalo, sem jamais serem surpreendidos; que o digam os casos da Rue des Grès e da Rue des Noyers, em Paris; das Grandes-Ventes, perto de Dieppe, e tantos outros, que também não chegaram a nenhum resultado. Como é que a polícia, que possui tão grandes recursos e despista os mais hábeis e os mais astutos malfeitores, não possa vencer a resistência de alguns barulhentos? Já refletiram sobre isto?

Aliás, esses fatos não são novos, como se pode ver pelo relato seguinte. [Vide: O Tasso e seu duende]


[Revista de maio de 1865.]

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RUÍDOS DE POITIERS.

Extraídas do Journal de la Vienne, de 22 de novembro de 1864.

Conhece-se a lógica dos adversários do Espiritismo. A passagem seguinte, de um artigo assinado por David, de Thiais,  †  fornece uma amostra.


“Amigo leitor,

“Como eu, deveis ter em vosso escritório uma pequena brochura (in-8º) do Sr. Boreau, de Niort,  †  cujo título — Como e por que me tornei espírita — traz o fac-símile do autógrafo da escrita direta de um Espírito familiar.

“É a mais curiosa das histórias: a de um homem sincero, convicto, amante das coisas elevadas, mas que diviniza suas ilusões e incessantemente corre atrás dos sonhos, crendo captar a realidade. Perseguindo com Jeanne, a sonâmbula, um tesouro enterrado num antigo campo de batalha da Vandeia,  †  ele encontra, em vez do ouro que lhe é prometido, Espíritos trapaceiros, malévolos, temíveis, que quase matam de terror a sua companheira e o expõem às mais dolorosas angústias. De repente ele se torna espírita, como se as aparições que o obsediam reproduzissem os milagres da lâmpada maravilhosa e, ao mesmo tempo, lhe prodigalizassem todos os bens do corpo e da alma.

“É preciso que a ficção seja uma das maiores necessidades do gênio humano, para que semelhantes crenças se tornem possíveis.

“Há aí gênios farsistas, que zombam; Espíritos cruéis, que ameaçam e batem; Espíritos grosseiros, com a boca sempre a injuriar, e a gente se pergunta o que eles vêm fazer aqui, já que a morte não os burilou em seu temível crisol.

“Aí também se entretêm com parelhas e quadrinhas de um bom anjo, que não trouxe do céu os segredos de sua poesia, mostrando o quanto uma ideia preconcebida nos leva longe no caminho das ilusões.

“Em matéria de Espiritismo, o Sr. Boreau tem a fé ingênua do homem simples; chega mesmo a gostar dos que o batem e o molestam. Nada temos a dizer quanto a isto, tanto mais quanto sua brochura contém páginas muito divertidas, provando que pode dispensar facilmente os Espíritos exteriores, pois o seu lhe deve bastar muito bem.

“Diremos apenas que os fatos que ele relata não são de ontem. A gente ainda se recorda da emoção que se apoderou da cidade de Poitiers, quando da formidável artilharia ouvida na Rua Saint-Paul, no ano passado. Uma longa procissão de curiosos rodou durante oito dias em volta dessa casa assombrada pelo demônio; a polícia ali estabeleceu o seu quartel-general e cada um espreitou o voejar dos Espíritos, na esperança de surpreender os segredos do outro mundo; mas só viram fogo. Os Espíritos só se revelam aos crentes fazendo todo o barulho do mundo. (Revista Espírita, fevereiro, março e maio de 1864).

“Coisa estranha, leitor! essas paragens parecem ter o monopólio desta raça barulhenta e zombeteira.

“Gorre, célebre médico alemão, morto em 1836, ensina no tomo III de sua Mística — pelo menos é o que diz Guillaume d’Auvergne,  †  bispo de Paris, falecido em 1249 — que, pelo mesmo tempo, um Espírito batedor se havia introduzido numa casa do dito bairro de Saint-Paul, em Poitiers, e que ali jogava pedras e quebrava os vidros.

“Pierre Mamoris, professor de teologia em nossa universidade, autor do Flagellum maleficorum, conta o que se passava, em 1447, na Rua Saint-Paul, numa casa na qual certo Espírito, entregando-se às suas evoluções ordinárias, lançava pedras, mudava os móveis de lugar, quebrava os vidros e até batia nas pessoas, embora delicadamente, sem que fosse possível descobrir como atuava.

“Conta-se que naquela ocasião Jean Delorme, então cura de Saint-Paul, homem muito instruído e de grande probidade, veio, acompanhado de algumas pessoas, visitar o teatro dessas estranhas proezas e, munido de velas bentas e acesas, água benta e água gregoriana, percorreu todos os aposentos da casa, aspergindo-os e exorcizando-os.

“Mas todos os exorcismos foram impotentes; nenhum diabo se mostrou. Contudo, a partir daquele momento, o Espírito maligno deixou de se manifestar. n

“Assim, com alguns séculos de distância, os mesmos fenômenos espíritas se repetem três vezes na mesma cidade e no mesmo bairro. Mas, que se deve concluir disto? Absolutamente nada. Com efeito, não há qualquer consequência importante a tirar de um ruído vão, de brincadeiras pueris, de fatos lamentáveis que, evidentemente, não podem ser atribuídos aos Espíritos, corpos imponderáveis que, pairando sobre o mundo, devem escapar às enfermidades humanas, aproximando-se incessantemente da luz e da bondade de Deus.

“Aliás, esta questão não está em discussão. Cada um é livre de escolher os seus Espíritos, de os adorar à sua maneira, de lhes emprestar uma virtude, um poder, um caráter conforme às suas aspirações. Somente preferimos, aos gênios um tanto materiais da escola moderna, as criações encantadoras, nascidas da poesia dos dias antigos e que, marchando fraternalmente com o homem no limite dos dois mundos, lhes davam tão docemente a mão, para os aproximar das fontes da vida imortal e da felicidade sem-fim.

“Para nós, nenhum Espírito batedor valerá essas adoráveis imagens pintadas pelo gênio de Ossian sobre as nuvens vaporosas do Norte, cujas harpas melancólicas ainda fazem vibrar tão bem as fibras mais íntimas do coração. Quando a alma levanta voo, tem o cuidado de aliviar suas asas e repele tudo quanto as pode tornar mais pesadas.”

Somos reconhecidos ao autor deste artigo por nos haver dado a conhecer esse fato notável, que ignorávamos, do mesmo fenômeno, reproduzido na mesma localidade com intervalo de vários séculos. Sem o suspeitar, ele não podia servir melhor à nossa causa, porque desta repetição ele pretende tirar um argumento contra as manifestações. Parece-nos que em boa lógica, quando um fato é único e isolado, não se lhe pode deduzir consequência absoluta, já que pode ser devido a uma causa acidental, ao passo que, quando se repete em condições idênticas, é que depende de uma causa constante; em outras palavras, de uma lei. Buscar essa lei é dever de todo observador sério, porque ela pode levar a descobertas importantes.

Que, apesar da duração, do caráter especial e das circunstâncias acessórias dos ruídos de Poitiers, algumas pessoas tenham persistido em os atribuir à malevolência, compreende-se até certo ponto; porém, quando se repetem pela terceira vez, na mesma rua, com vários séculos de distância, haverá, por certo, matéria para reflexão, porque, se há mal-intencionados, é pouco provável que em tão longo intervalo tenham escolhido precisamente o mesmo lugar para teatro de suas façanhas. Entretanto, que concluir disto? Diz o autor: Absolutamente nada. Assim, de um fato que emociona toda uma população, várias vezes repetido, não há nenhuma consequência importante a tirar! Realmente, é uma lógica muito singular! “São ruídos vãos divertimentos pueris que, evidentemente, não podem ser atribuídos aos Espíritos, corpos imponderáveis que, pairando sobre o mundo, devem escapar às enfermidades humanas, aproximando-se incessantemente da luz e da bondade de Deus.” Então o Sr. David crê nos Espíritos, já que descreve os seus atributos com tanta precisão. Onde hauriu tais conhecimentos? Quem lhe disse que os Espíritos são tais quais ele os imagina? Tê-los-á estudado para decidir assim tão categoricamente a questão? Diz ele que os Espíritos “devem escapar às enfermidades humanas”; às enfermidades corporais sem dúvida; mas às enfermidades morais, também? Então ele crê que o homem perverso, o assassino, o bandido, o mais vil dos malfeitores e ele estarão no mesmo nível quando forem Espíritos? De que lhes terá servido ser honestos durante a vida, desde que, após a morte, sê-lo-ão como se o tivessem sido? Uma vez que os Espíritos se aproximam incessantemente da luz e da bondade de Deus, o que é mais verdadeiro do que talvez creia o autor, então houve um tempo em que eles estavam longe, porque, para se aproximar de um objetivo, é preciso que dele se tenha afastado. Onde o ponto de partida? Só pode estar no oposto da perfeição, isto é, na imperfeição. Seguramente não são Espíritos perfeitos que se divertem com semelhantes coisas. Mas se os há imperfeitos, que há de espantoso que cometam malícias? Do fato de planarem sobre o mundo, segue-se que dele não se possam aproximar? Seria supérfluo levar mais longe essa refutação. Sendo mais ou menos equivalentes todos os argumentos dos nossos adversários, nem mesmo teríamos refutado este artigo, não fosse o precioso documento que encerra e pelo qual novamente agradecemos ao autor.



[1] Vide a brochura do Sr. [Alfred] Bonsergent na Biblioteca Imperial.


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