O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Julho de 1863.

(Idioma francês)

Caráter filosófico da Sociedade Espírita de Paris.

(Sumário)

1. — Como resposta a certas calúnias que os adversários do Espiritismo se comprazem em despejar contra a Sociedade, julgamos por bem publicar os pedidos de admissão, formulados nas duas cartas seguintes, seguindo-as de algumas observações.


Ao Senhor Presidente da

Sociedade de Estudos Espíritas de Paris


“Senhor,

“Ser-me-ia permitido aspirar a ser admitido como membro da respeitável Sociedade que presidis?

“Também tive a felicidade de conhecer o Espiritismo e de experimentar, em toda a plenitude, a sua benéfica influência. Há muito tempo eu era vítima de sofrimentos físicos e, consequentemente, de sofrimento moral, que naturalmente se lhe segue, quando o pensamento não vê como compensação senão a dúvida e a incerteza. O Livro dos Espíritos entrou em minha casa como o salvador, cuja mão benfeitora nos tira do abismo, como o médico que cura instantaneamente.

“Li e compreendi; e logo o sofrimento moral deu lugar a uma imensa felicidade, ante a qual se extinguiu o sofrimento físico, porquanto, desde então, este não mais me apareceu senão como um efeito da vontade e da sabedoria divinas, que só nos envia males para nosso maior bem.

“Sob a influência desta crença benfazeja, meu estado físico já melhorou sensivelmente e espero que Deus complete sua obra, porque se hoje desejo o restabelecimento da saúde, não é mais, como outrora, para gozar a vida, mas para consagrá-la unicamente ao bem, isto é, empregá-la exclusivamente em marchar para o futuro, trabalhando com ardor e por todos os meios ao meu alcance para o bem de meus semelhantes e, particularmente, devotando-me à propagação da sublime doutrina que Deus, em sua infinita bondade, envia à pobre Humanidade para a regenerar.

“Glória seja, pois, rendida a Deus pela divina luz que, em sua misericórdia, ele se dignou enviar às suas cegas criaturas! E graças vos sejam dadas, senhor, a quem ele escolheu para lhes trazer o archote sagrado!”

“Senhor, se vos dignardes acolher o meu pedido, ser-vos-ei profundamente reconhecido por sua transmissão aos vossos distintos colegas. Não tenho a honra de vos conhecer pessoalmente, pois o meu estado de saúde sempre me impediu de vos visitar; mas o Sr. Canu, meu amigo e vosso colega, responderá por mim.

“Recebei, senhor e caro mestre, a garantia de meus respeitosos sentimentos e de meu sincero devotamento.”


Hermann Hobach.


2. — “Senhor e venerado mestre,

“Confiante em vossa benevolência, venho dirigir-vos uma prece que, se acolhida favoravelmente, me cumularia de alegria. Já tive a honra de vos escrever, há algum tempo, com o duplo objetivo de vos exprimir os sentimentos, a bem dizer novos, que fez nascer em mim a leitura séria de O Livro dos Espíritos, e obedecer ao dever sagrado de agradecer ao homem venerado que estende a mão socorrista à coragem vacilante dos fracos deste mundo, em cujo número ainda me achava até bem pouco tempo, pela ignorância destes princípios sublimes que, enfim, designam ao homem uma tarefa a cumprir, de acordo com suas forças e faculdades.

“Destes a essa carta uma resposta cheia de amenidades, pela qual me convidáveis a vir, como ouvinte, assistir às sessões gerais da Sociedade. Essas sessões e a leitura de O Livro dos Médiuns só me deram mais força e coragem, inspirando-me o desejo de participar de uma sociedade fundada sobre os mesmos princípios que acabaram de afastar a perturbação, a falta de coordenação, o caos, que presidiam a todas as minhas ações. Eu chegara a supor que a chave do enigma da existência devia ser muito insignificante, pois meu espírito ainda não me havia feito compreender que, fora do mundo material que me cercava, havia um mundo espiritual, marchando concomitantemente como o nosso para o progresso.

“Assim, senhor, manifesto novamente a minha felicidade, se puder demonstrar perante o mundo inteiro dos incrédulos e dos cépticos, que a Doutrina Espírita operou em mim tão radical mudança na maneira de ser que, por certo, essa mudança poderia, sem qualquer exagero, ser qualificada de milagre, posto que, abrindo-me os olhos para todo o bem que se pode fazer e não se faz, percebi, antes de tudo, um fim para a nossa vida atual e, depois, que sobrecarregado de faltas de toda espécie, vi, enfim, que a Providência não nos havia deixado faltar à tarefa, e que ao Espírito não bastava uma existência para se aperfeiçoar, trabalhando por dominar primeiro o corpo, para em seguida dominar-se a si próprio.

“Se julgardes conveniente receber-me, senhor, não obstante seja eu ainda muito jovem, como um dos membros da Sociedade Espírita, rogo-vos a bondade de apresentar meu pedido ao conselho e lhe afirmar a honra que me faria a Sociedade em me receber em seu seio; isto seria por mim apreciado com o sentimento do mais completo reconhecimento.

“Recebei, senhor, a certeza de minha profunda veneração.”


Paul Albert.


3. — Se tais cartas honram os seus autores, também honram a Sociedade à qual são dirigidas, e que vê com satisfação os que nela pedem para entrar, animados por tais sentimentos. São uma prova de que compreendem o objetivo exclusivamente moral a que a Sociedade se propõe, pois não são movidos por uma vã curiosidade que, aliás, não entraria em nossos propósitos satisfazer. A Sociedade só acolhe pessoas sérias, e cartas como estas, que acabam de ser relatadas, indicam o seu verdadeiro caráter. É de adeptos desta categoria que ela se sente feliz em recrutar e é a melhor resposta que pode dar aos detratores do Espiritismo, que se esforçam em apresentá-lo, bem como as suas congêneres dos Departamentos e do estrangeiro, que marcham sob a mesma bandeira, como focos perigosos para a razão e a ordem pública, ou como uma vasta especulação. Queira Deus que o mundo não tenha outras fontes de perturbação!

Como temos dito, o Espiritismo moderno terá a sua história, que será a das fases que terá percorrido, de suas lutas e de seus sucessos, de seus defensores, de seus mártires e de seus adversários, pois é preciso que a posteridade saiba de que armas se serviram para o atacar; é preciso, sobretudo, que ela conheça os homens de coração, que se devotaram à sua causa com inteira abnegação, completo desinteresse material e moral, a fim de que lhes possa pagar um justo tributo de reconhecimento. Para nós é uma grande alegria quando podemos inscrever um novo nome, glorioso por sua modéstia, coragem e virtudes, nestes anais onde se confundem o príncipe e o artesão, o rico e o pobre, homens de todos os países e de todas as religiões, porquanto não há para o bem senão uma casta, uma única seita, uma só nacionalidade e uma mesma bandeira: a da fraternidade universal.

A Sociedade Espírita de Paris, a primeira fundada e oficialmente reconhecida, aquela que, a bem dizer, deu o impulso, sob cuja égide se formaram tantos outros grupos e sociedades; que se tornou, pela força das coisas e por mais restrito que seja o número de seus membros, o centro do Movimento Espírita, desde que seus princípios são os da quase universalidade dos adeptos, esta Sociedade, dizíamos nós, também terá seus anais para a instrução daqueles aos quais preparamos o caminho, e para a confusão de seus caluniadores.

Não é somente ao longe que a calúnia lança o seu veneno, mas, até mesmo, às nossas portas. Ultimamente alguém nos disse que há muito tinha o maior desejo de assistir a algumas sessões da Sociedade, mas tinha sido impedido porque lhe haviam afirmado que devia pagar dez francos. Grande foi sua surpresa e, podemos dizer, também sua alegria, quando lhe dissemos que tal boato era fruto da malevolência; que desde que a Sociedade existe, jamais um ouvinte pagou um centavo; que não é imposta nenhuma obrigação pecuniária, sob qualquer forma e a qualquer título, nem como assinatura da Revista Espírita, nem como compra de livros; que nenhum de nossos médiuns é retribuído e todos, sem exceção, dão seu concurso por puro devotamento à causa; que os membros titulares e associados são os únicos a participar nas despesas materiais; que os membros correspondentes e honorários não suportam nenhum encargo, limitando-se a Sociedade a prover as despesas correntes, tanto quanto possível restritas, e não acumulando dinheiro; que o Espiritismo é uma coisa inteiramente moral, que não pode, como todas as coisas santas, ser objeto de exploração, que sempre repudiamos verbalmente e por escrito; que, assim, só uma insigne malevolência é capaz de emprestar semelhantes ideias à Sociedade.

Acrescentaremos que o autor dessa informação oficiosa disse haver pago os seus dez francos, o que prova que não era inocente ao eco de um falso boato. A Sociedade Espírita de Paris, por sua própria posição e pelo papel que desempenha, não deixará de ter mais tarde uma certa repercussão. É, pois, necessário aos nossos futuros irmãos que o seu objetivo e as suas tendências não sejam desnaturados pelas manobras da malevolência e, para isto, não bastam algumas refutações individuais, que só têm efeito no presente e se perdem na multidão. As retratações que se obtêm não passam de uma satisfação momentânea, cuja lembrança logo passará. É preciso um trabalho especial, autêntico e durável, e este trabalho se fará em tempo hábil. Enquanto isto, deixemos nossos adversários se desacreditarem por si mesmos e pela mentira: a posteridade os julgará.


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