O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Dezembro de 1863.

(Idioma francês)

Elias e João Batista.

REFUTAÇÃO.
(Sumário)

1. — Uma carta que nos foi enviada contém a seguinte passagem:

“Acabo de ter uma discussão com o cura daqui sobre a Doutrina Espírita. A propósito da reencarnação, pediu-me lhe dissesse qual dos corpos tomará o Espírito Elias no juízo final, anunciado pela Igreja, para se apresentar diante de Jesus Cristo; se será o primeiro [o de Elias] ou o segundo [o de João Batista]. Não soube lhe responder. Ele riu e me disse que nós, os espíritas, não éramos fortes.”


Não sabemos qual dos dois provocou a discussão. Em todo o caso, é sempre uma imprudência engajar-se numa controvérsia quando não se sente força para a sustentar. Se a iniciativa partiu do nosso correspondente, lembrar-lhe-emos o que não cessamos de repetir, que “o Espiritismo se dirige aos que não creem ou que duvidam, e não aos que têm uma fé e aos quais esta fé basta; que não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar as nossas”, e nisto ele é consequente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por este motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas, para converter às nossas ideias o clero de qualquer comunhão. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: Acolhei prontamente os homens de boa vontade; dai luz aos que a buscam, pois não tereis êxito com os que julgam possuí-la; não violenteis a fé de ninguém, nem a do clero, nem a dos laicos, já que vindes semear em campo árido; ponde a luz em evidência, a fim de que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutos da árvore e dai a comer aos que têm fome, e não aos que se dizem fartos. Se membros do clero vierem a vós com intenções sinceras e sem pensamentos dissimulados, fazei por eles o que faríeis pelos vossos outros irmãos: instrui os que pedirem, mas não busqueis trazer à força os que imaginam que a sua consciência esteja empenhada em pensar de modo diverso do vosso; deixai-lhes a fé que têm, como quereis que vos deixem a vossa; mostrai-lhes, enfim, que sabeis praticar a caridade segundo Jesus. Se são os primeiros a atacar, temos o direito de responder e de refutar; se abrem a liça é permitido segui-los, sem, contudo, afastar-se da moderação, de que Jesus deu exemplo aos seus discípulos. Se os nossos adversários se afastarem por si mesmos, deve-se deixar-lhes esse triste privilégio, que jamais é prova da verdadeira força. Se de algum tempo para cá nós mesmos entramos no terreno da controvérsia, respondendo à altura a alguns membros do clero, forçoso é convir que a nossa polêmica nunca foi agressiva. Se não tivessem sido os primeiros a atacar, jamais seus nomes teriam sido pronunciados por nós. Sempre desprezamos as injúrias e os ataques de que fomos objeto, mas era nosso dever tomar a defesa dos nossos irmãos atacados e da nossa doutrina indignamente desfigurada, pois chegaram a dizer em pleno púlpito que ela pregava o adultério e o suicídio. Dissemos e repetimos, esta provocação é desastrada, porque leva forçosamente ao exame de certas questões, que teria sido melhor deixar adormecidas, porquanto, uma vez aberto o campo, não se sabe onde se vai parar. Mas o medo é mau conselheiro.


2. — Posto isto, vamos tentar dar ao Sr. cura supracitado a resposta à pergunta que ele fez. Todavia, não podemos deixar de notar que se o seu interlocutor não era tão forte quanto ele em teologia, ele mesmo não nos parece muito forte no Evangelho. Sua pergunta equivale à que foi levantada a Jesus pelos saduceus;  ( † ) ele não tinha senão que se referir à resposta de Jesus, que tomamos a liberdade de lembrar-lhe, já que não a sabe.

“Naquele dia aproximaram-se dele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: Mestre, disse Moisés que se alguém morrer, não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva e suscitará descendência ao falecido. Ora, havia entre nós sete irmãos: o primeiro, tendo casado, morreu, e não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão; o mesmo sucedeu com o segundo, com o terceiro, até ao sétimo; depois de todos eles, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será ela esposa? porque todos a desposaram. Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque na ressurreição nem casam nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu. E quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e, sim, de vivos.” (São Mateus, 22:23 a 32.)

Uma vez que os homens, depois da ressurreição, serão como os anjos do céu e estes não têm corpo carnal, mas um corpo etéreo e fluídico, então é porque não ressuscitarão em carne e osso. Se João Batista foi Elias é porque se trata da mesma alma, tendo tido duas vestimentas, deixadas na Terra em duas épocas diferentes; ele não se apresentará nem com uma nem com a outra, mas com o invólucro etéreo, apropriado ao mundo invisível. Se as palavras de Jesus não vos parecem bastante claras, lede as de São Paulo (que citamos mais adiante); elas são ainda mais explicitas. Duvidais que João Batista tenha sido Elias? Lede São Mateus, capítulo XI, versículos 13 a 15: “Porque todos os profetas e a Lei profetizaram até João. E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é o Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” Aqui não há equívoco; os termos são claros e categóricos, e para não entender é preciso não ter ouvidos, ou querer fechá-los. Sendo estas palavras uma afirmação positiva, de duas uma: Jesus disse a verdade, ou enganou-se. Na primeira hipótese, a reencarnação é por ele atestada; na segunda, é lançar dúvida sobre todos os seus ensinos, porque, se ele se enganou num ponto, pode ter-se enganado em outros. Escolhei.


3. — Agora, senhor cura, permiti que, por minha vez, vos dirija uma pergunta, que certamente vos será fácil responder.

Sabeis que a Gênese, fixando seis dias para a Criação, não só da Terra, mas do Universo inteiro: Sol, estrelas, Lua, etc., não tinha contado com a Geologia e a Astronomia; que Josué não contara com a lei da gravitação universal. Parece-me que o dogma da ressurreição da carne não contou com a Química. É verdade que a Química é uma ciência diabólica, como todas as que fazem ver claro onde queriam que se visse turvo. Mas, seja qual for a sua origem, ela nos ensina uma coisa positiva: é que o corpo do homem, assim como todas as substâncias orgânicas animais e vegetais, é composto de elementos diversos, cujos princípios são o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono. Ela ainda nos ensina — e notai que é um resultado da experiência — que com a morte esses elementos se dispersam e entram na composição de outros corpos, de sorte que, ao cabo de certo tempo, o corpo inteiro é absorvido. É ainda constatado que o terreno onde sobejam as matérias animais em decomposição são os mais férteis e é na vizinhança dos cemitérios que os incrédulos atribuem a fecundidade proverbial dos jardins dos senhores curas de aldeia. Suponhamos, então, senhor cura, que batatas sejam plantadas nas proximidades de um sepulcro; essas batatas vão alimentar-se dos gases e sais provenientes da decomposição do corpo do morto; essas batatas vão servir para engordar galinhas que, por sua vez, as comereis e as saboreareis, de modo que o vosso próprio corpo será formado de moléculas do corpo do indivíduo morto, e que não deixarão de ser dele, embora tenham passado por intermediários. Então tereis em vós partes que pertenceram a outros. Ora, quando ressuscitardes ambos no dia do juízo, cada um com seu corpo, como fareis? Guardareis o que tendes do outro, ou o outro vos retomará o que lhe pertence? ou ainda tereis algo da batata ou da galinha? Pergunta no mínimo tão grave quanto a de saber se João Batista ressuscitará com o corpo de João ou o de Elias. Eu a faço na maior simplicidade; mas julgai do embaraço se, como isto é certo, tendes em vós porções de centenas de indivíduos. Aí está, a bem dizer, a ressurreição da carne; outra, porém, é a do Espírito, que não leva consigo os seus despojos. Vede, a seguir, o que diz São Paulo.


4. — Já que estamos no terreno das perguntas, eis outra, senhor cura, que ouvimos de incrédulos. Certamente é estranha ao assunto que nos ocupa, mas é suscitada por um dos fatos acima referidos. Segundo a Gênese, Deus criou o mundo em seis dias e repousou no sétimo.  ( † ) É este repouso do sétimo dia que é consagrado pelo de domingo, e cuja estrita observação é uma lei canônica. Se, pois, como o demonstra a Geologia, esses seis dias, em vez de vinte e quatro horas, são alguns milhões de anos, qual será a duração do dia de repouso? Em termos de importância, esta pergunta vale bem as duas outras.

Não creiais, senhor cura, que estas observações sejam o resultado de um menosprezo às Santas Escrituras. Não, bem ao contrário; nós lhes rendemos, talvez, uma homenagem maior que a vossa. Considerando a forma alegórica, nós lhe buscamos o espírito que vivifica, nelas encontramos grandes verdades e por aí levamos os incrédulos a crer e a respeitá-las, ao passo que, apegando-se à letra que mata, fazem-nas dizer coisas absurdas e aumenta-se o número dos cépticos.


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