O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Dezembro de 1862.

(Idioma francês)

Estudos sobre os possessos de Morzine.

Causas da obsessão e meios de combatê-la.

Itens 1-15. (1ª Parte.) Dezembro de 1862. — 16-24a. (2ª Parte.) Janeiro de 1863. — 24b-29. (3ª Parte.) Fevereiro de 1863. — 30-38a. (4ª Parte.) Abril de 1863. — 38b-45. (5ª Parte.) Maio de 1963. —  46-48. (Novos detalhes sobre os possessos de Morzine.) Agosto de 1864.


(Terceiro artigo. — Vide os números de dezembro de 1862 e janeiro de 1863.)


24b. — O estudo dos fenômenos de Morzine  †  não oferecerá nenhuma dificuldade quando estivermos imbuídos dos fatos particulares que citamos e das considerações que um estudo atento delas permitiu deduzir. Bastará relatá-los para que cada um encontre em si mesmo sua aplicação por analogia. Os dois fatos seguintes ainda nos ajudarão a orientar o leitor. O primeiro nos é transmitido pelo Dr. Chaigneau, membro honorário da Sociedade de Paris  †  e presidente da Sociedade Espírita de Saint Jean d’Angely.  † 


25. — “Uma família fazia evocações com um ardor desenfreado, induzida por um Espírito que nos foi indicado como muito perigoso. Era um de seus parentes, morto depois de uma vida pouco recomendável e terminada por vários anos de alienação mental. Sob nome falso, por surpreendentes provas mecânicas, belas promessas e conselhos de irreprochável moralidade, tinha conseguido fascinar de tal modo aquela gente muito crédula, a ponto de submetê-la às suas exigências e forçá-la a praticar os atos mais excêntricos. Não mais podendo satisfazer a todos os seus desejos, pediram o nosso conselho e tivemos muito trabalho para dissuadi-los e provar-lhes que lidavam com um Espírito da pior espécie. Conseguimo-lo e pudemos obter que, ao menos por algum tempo, eles se abstivessem. A partir de então a obsessão tomou outro caráter: o Espírito se apoderava completamente do filho mais jovem, de catorze anos, o reduzia ao estado de catalepsia e, por sua boca, solicitava entrevistas, dava ordens e fazia ameaças. Aconselhamos o mais absoluto mutismo, que foi observado rigorosamente. Os pais entregaram-se à prece e vinham procurar um de nós para os assistir. O recolhimento e a força de vontade sempre nos fizeram mestre em poucos minutos.

 “Hoje, praticamente, tudo cessou. Esperamos que, na casa, a ordem sucederá à desordem. Longe de se revoltarem contra o Espiritismo, creem mais que nunca e com mais seriedade. Agora compreendem seu fim e as consequências morais. Todos entendem que receberam uma lição; alguns uma punição, talvez merecida.”

Mais uma vez este exemplo prova o inconveniente de nos entregarmos às evocações sem conhecimento de causa e sem objetivo sério. Graças aos conselhos da experiência que aquelas pessoas ouviram, puderam desembaraçar-se de um inimigo, talvez perigoso.

Um outro ensinamento, não menos importante, ressalta do fato em questão. Aos olhos das pessoas estranhas à ciência espírita, o rapaz teria passado por louco; não teriam deixado de lhe aplicar o tratamento correspondente, que, talvez, desenvolvesse uma loucura real. Com a assistência de um médico espírita, o mal, atacado em sua verdadeira causa, não teve nenhuma consequência.


26. — Já o mesmo não se deu no fato seguinte. Um senhor de nosso conhecimento, que mora numa cidade do interior bastante refratária às ideias espíritas, foi tomado subitamente por uma espécie de delírio, no qual dizia coisas absurdas. Como se ocupasse de Espiritismo, naturalmente falava de Espíritos. Aqueles que o cercavam, assustados e sem penetrar a coisa, cuidaram de chamar os médicos que, para grande satisfação dos inimigos do Espiritismo, o declararam atacado de loucura; já se falava até mesmo em interná-lo numa casa de saúde. Tudo quanto soubemos das circunstâncias daquele acontecimento prova que aquele senhor se achou, de repente, sob o império de uma subjugação momentânea, talvez favorecida por certas predisposições físicas. Foi a ideia que ele teve. Escreveu-nos e nós lhe respondemos nesse sentido. Infelizmente nossa carta não lhe chegou a tempo e dela só teve conhecimento muito mais tarde. “É lastimável”, disse-nos ele depois, “que não tenha recebido vossa carta consoladora; naquele momento ela me teria feito um imenso bem, confirmando o pensamento de que eu era joguete de uma obsessão, o que me teria tranquilizado, pois, de tanto ouvir repetir que eu estava louco, acabei por acreditar. A ideia me torturava de tal modo que, se tivesse continuado, não sei o que teria acontecido.” Consultado a respeito, um Espírito respondeu: “Esse senhor não é louco; mas a maneira por que o tratam poderá torná-lo louco; mais ainda: poderiam matá-lo. O remédio para o seu mal está no próprio Espiritismo e o tomam em sentido contrário.” — Pergunta: Daqui poderíamos agir sobre ele? — Resposta: Sim, sem dúvida. Podeis fazer-lhe o bem, mas a vossa ação é paralisada pela má vontade dos que o cercam.

Casos análogos têm ocorrido em todas as épocas; e muitos foram encarcerados como loucos, sem o serem absolutamente.

Só um observador experimentado nestes assuntos pode apreciá-los; e como se encontram hoje muitos médicos espíritas, em casos semelhantes convém recorrer a eles. Um dia a obsessão será colocada entre as causas patológicas, como o é hoje a ação de seres microscópicos, de cuja existência não se suspeitava antes da invenção do microscópio; mas, então, reconhecerão que nem as duchas nem as sangrias poderão curá-la. O médico que não admite e não busca senão as causas puramente materiais é tão inapto a compreender e tratar tais afecções, quanto um cego o é para discernir as cores.


27. — O segundo caso nos é relatado por um de nossos correspondentes de Boulogne-sur-Mer:  † 

“A mulher de um marinheiro desta cidade, de quarenta e cinco anos, está há quinze anos sob o império de uma triste subjugação. Quase todas as noite, sem mesmo excetuar as do período de gravidez, é despertada por volta da meia-noite e logo tomada de tremores nos membros, como se fossem agitados por uma pilha galvânica; o estômago fica comprimido como que por um círculo de ferro e queimado por um ferro em brasa; o cérebro num estado de exaltação furiosa; sente-se atirada fora do leito e, por vezes, sai de casa seminua a correr pelo campo; marcha sem saber por onde durante duas ou três horas e somente ao parar é que sabe onde se encontra. Não pode orar a Deus e, ao ajoelhar-se para o fazer, suas ideias sofrem a intromissão de coisas bizarras e até sujas. Não pode entrar em nenhuma igreja, embora muito deseje fazê-lo; mas ao chegar à porta, sente como uma barreira que a detém. Quatro homens tentaram fazê-la entrar na igreja dos redentoristas e não o conseguiram: ela gritava que a estavam matando, que lhe esmagavam o peito.

“Para se livrar dessa terrível situação, a pobre mulher tentou dar cabo à vida, por várias vezes, sem o conseguir. Ingeriu café no qual havia dissolvido fósforo; tomou lixívia sem nada sofrer; jogou-se duas vezes na água, mas flutuava até que alguém a socorresse. Fora dos momentos de crise de que falei, essa mulher é completamente normal e, mesmo durante os acessos, tem plena consciência do que faz e da força exterior que sobre ela atua. Toda a vizinhança diz que ela foi alvo de um malefício ou de um sortilégio.”

A subjugação não poderia ser mais bem caracterizada a não ser pelos fenômenos que, sem sombra de dúvida, só podem ser obra de um Espírito da pior espécie. Dirão que foi o Espiritismo que o atraiu para ela ou lhe transtornou o cérebro. Mas há quinze anos não se cogitava disto. Aliás, essa mulher não é louca e o que experimenta não é uma ilusão.

A Medicina ordinária não verá nesses sintomas senão uma dessas afecções a que dá o nome de nevrose e cuja causa, para ela, ainda é um mistério. A afecção é real, mas a todo efeito corresponde uma causa. Ora, qual a causa primeira? Eis o problema, cuja solução pode dar o Espiritismo ao demonstrar um novo agente no perispírito e a ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Não generalizamos absolutamente, e reconhecemos que, em certos casos, a causa pode ser puramente material; mas há outros em que a intervenção de uma inteligência oculta é evidente, porquanto, combatendo essa inteligência, detém-se o mal, ao passo que, atacando a suposta causa material, nada se produz.

Há um traço característico nos Espíritos perversos: é a sua aversão a tudo quanto se prende à religião. A maioria dos médiuns não obsedados que receberam comunicações de Espíritos maus, muitas vezes os viram blasfemar contra as coisas mais sagradas, rir-se da prece e repeli-la, chegando mesmo a irritar-se quando se lhes fala em Deus. No médium subjugado, o Espírito, dispondo de cerca de um terço do corpo para agir, exprime seus pensamentos não mais pela escrita, mas por gestos e palavras que provoca no médium. Ora, como todo fenômeno espírita não pode produzir-se sem uma aptidão mediúnica, pode dizer-se que a mulher de quem falamos é um médium espontâneo, inconsciente e involuntário. A impossibilidade em que se encontra de orar e entrar na igreja vem da repulsão do Espírito que dela se apoderou, pois sabe que a prece é um meio de fazê-lo largar a presa. Em vez de uma pessoa, suponde, na mesma localidade, dez, vinte, trinta ou mais no mesmo estado e tereis a reprodução do que se passou em Morzine.


28. — Dirão certas pessoas: “Não é uma prova evidente de que são demônios?” Chamemo-los demônios, se isto vos agrada: o nome não os caluniaria. Mas não vedes diariamente homens que não valem coisa melhor e que, de pleno direito, poderiam ser chamados demônios encarnados? Não há os que blasfemam e renegam a Deus? que parecem fazer o mal com prazer? que se regozijam à vista do sofrimento de seus semelhantes? Por que quereis que, uma vez no mundo dos Espíritos, eles se transformassem subitamente? Aqueles a quem chamais demônios nós chamamos maus Espíritos, e nós vós concedemos toda a perversidade que lhes queirais atribuir. Contudo, a diferença é que, em vossa opinião, os demônios são anjos decaídos, isto é, seres perfeitos que se tornaram maus e para sempre votados ao mal e ao sofrimento; em nossa opinião, são seres pertencentes à Humanidade primitiva, espécie de selvagens ainda atrasados, mas a quem o futuro não está fechado e que se melhorarão à medida que neles se desenvolver o senso moral, na série de suas existências sucessivas, o que nos parece mais conforme à lei do progresso e da justiça de Deus. Temos mais a nosso favor a experiência, que prova a possibilidade de melhorar e de levar ao arrependimento Espíritos da mais baixa categoria e aqueles que são colocados na categoria de demônios.

Vejamos uma fase especial desses Espíritos, cujo estudo é de alta importância para o assunto que nos ocupa.

Sabe-se que os Espíritos inferiores ainda se acham sob a influência da matéria e que entre eles se encontram todos os vícios e todas as paixões da Humanidade, paixões que eles carregam ao deixar a Terra e trazem de volta quando reencarnam, caso não se tenham emendado, o que produz os homens perversos. Prova a experiência que alguns são sensuais em diversos graus, obscenos, lascivos, sentem prazer nos lugares desprezíveis, impelem e excitam à orgia e ao deboche, a cuja vista se deleitam. Perguntaremos a que categoria de Espíritos poderiam pertencer, depois da morte, seres como Tibério, Nero, Cláudio, Messalina, Calígula, Heliogábalo, etc.? Que gênero de obsessão poderiam ter provocado e se é necessário, para explicar essas obsessões, recorrer a seres especiais, que Deus teria criado expressamente para impelir o homem ao mal? Há certos gêneros de obsessão que não podem deixar dúvidas quanto à qualidade dos Espíritos que os produzem. São obsessões desse gênero que deram azo à fábula dos íncubos e súcubos, em que acreditava firmemente Santo Agostinho. Poderíamos citar mais de um exemplo recente em apoio dessa asserção. Quando se estudam as várias impressões corporais e os toques sensíveis por vezes produzidos por certos Espíritos; quando se conhecem os gostos e as tendências de alguns deles; e se, por outro lado, se examina o caráter de certos fenômenos histéricos, a gente se pergunta se não representariam um papel nessa afecção, como representam na loucura obsessiva? Nós a vimos várias vezes, acompanhada de sintomas menos evidentes da subjugação.


29. — Vejamos agora o que se passou em Morzine.  †  Antes, porém, digamos algumas palavras sobre o lugar, o que não é sem importância. Morzine é uma comuna do Chablais,  †  na Alta Saboia,  †  situada a oito léguas de Thonon,  †  na extremidade do vale do Drance,  †  nos confins do Valais,  †  na Suíça, da qual é separada apenas por uma montanha. Sua população, de cerca de 2.500 almas, compreende, além do vilarejo principal, vários povoados espalhados nas alturas circunvizinhas. É cercada e dominada de todos os lados por altas montanhas dependentes da cadeia dos Alpes,  †  mas na maior parte cobertas de bosques e cultivadas até alturas consideráveis. Aliás, em parte alguma se veem neves ou gelos perpétuos e, conforme nos disseram, ali a neve é menos persistente do que no Jura.  † 

O Dr. Constant, enviado em 1861 pelo governo francês para estudar a doença, lá ficou três meses. Ele faz da região e de seus habitantes um quadro pouco lisonjeiro. Vindo com a ideia de que o mal era puramente físico, não procurou senão causas físicas; sua preocupação o levava a demorar-se sobre aquilo que poderia corroborar sua opinião e, provavelmente, essa ideia fez com que visse os homens e as coisas sob uma luz desfavorável. Em sua opinião, a doença é uma afecção nervosa, cuja fonte primeira é a constituição dos habitantes, debilitados pela insalubridade das habitações, a insuficiência e a má qualidade dos alimentos e cuja causa imediata esta no estado histérico da maioria dos doentes do sexo feminino. Sem contestar a existência dessa afecção, é bom notar que se o mal atacou em grande parte as mulheres, os homens também foram atingidos, assim como mulheres em idade avançada. Não se poderia ver na histeria  †  uma causa exclusiva; e, aliás, qual a causa da histeria?

Fizemos apenas uma breve visita a Morzine, mas devemos dizer que nossas observações e os informes que recolhemos junto de pessoas notáveis, de um médico da região e das autoridades locais diferem um tanto das do Dr. Constant. O vilarejo principal é geralmente bem construído; as casas dos povoados circunvizinhos certamente não são palacetes, mas não têm o aspecto miserável que se veem em muitas regiões rurais da França, na Bretanha,  †  por exemplo, onde o camponês mora em verdadeiras choupanas. A população não nos pareceu estiolada, nem raquítica, nem, sobretudo, atacada de papeira, como diz o Dr. Constant. Vimos alguns bócios  †  rudimentares, mas nenhum pronunciado, como se veem em todas as mulheres da Mauriana.  †  Os idiotas e os cretinos ali são raros, embora o diga o Dr. Constant, ao passo que na outra vertente da montanha, no Valais, eles são muito numerosos. Quanto à alimentação, a região produz além do consumo dos habitantes; se em toda parte não há fartura, também não há miséria propriamente dita, sobretudo essa horrível miséria que encontramos em outras regiões; existem algumas em que a população do campo é infinitamente mais mal alimentada. Um fato característico é que não vimos um único mendigo a nos estender a mão para pedir esmola. A própria região oferece importantes recursos em madeiras e pedreiras, mas que ficam improdutivas pela impossibilidade de transporte. A dificuldade de comunicações é o flagelo da região, sem o que seria uma das mais ricas da nação. Pode julgar-se de tal dificuldade pelo fato de o correio de Thonon só poder ir até duas léguas de distância dessa cidade. Adiante não há mais estrada, mas um caminho que, alternadamente, sobe a pique na floresta e desce à margem do Drance, torrente furiosa, verdadeira cascata que rola através de enormes massas de rochedos de granito, precipitados em seu leito do alto das montanhas em direção ao fundo de uma estreita garganta. Durante várias léguas é a imagem do caos. Transposta a passagem, o vale toma um aspecto risonho até Morzine, onde acaba. Mas a impossibilidade para lá chegar facilmente afasta os viajantes, de sorte que a região só é visitada por caçadores bastante fortes para escalar os rochedos. Depois da anexação os caminhos foram melhorados; antes, só eram transitados por cavalos. Dizem que o governo estuda o prolongamento da estrada de Thonon até Morzine, margeando o rio; é um trabalho difícil, mas que transformará a região, permitindo a exportação de seus produtos.

Tal é o aspecto geral da região que, aliás, não oferece nenhuma causa de insalubridade. Admitindo que o principal vilarejo de Morzine, situado no fundo do vale e à margem do rio, seja úmido — o que não observamos — devemos considerar que a maioria dos doentes pertence aos povoados circunvizinhos e, por conseguinte, em condições arejadas e muito salubres.

Se a doença se devesse a causas locais, à constituição dos habitantes, aos hábitos e gênero de vida, como pretende o Dr. Constant, essas causas permanentes deveriam produzir efeitos permanentes e o mal seria epidêmico, como as febres intermitentes de Camargue  †  e dos pântanos Pontinos.  †  Se o cretinismo e o bócio são endêmicos no vale do Ródano e não no vale do Drance, que lhe é limítrofe, é que num há uma causa local permanente que não existe no outro.

Se o que se chama a possessão de Morzine é apenas temporária, é que se liga a uma causa acidental. Diz o Dr. Constant que suas observações não lhe revelaram nenhuma causa sobrenatural. Mas ele, que só acredita em causas materiais, estará apto a julgar efeitos que resultariam da ação de uma força extramaterial? estudou os efeitos dessa força? sabe em que consistem? por que sintomas podem ser reconhecidos? Não; e desde então se lhes afiguram diferentes do que são, crendo talvez que consistam em milagres e em aparições fantásticas. Ele viu esses sintomas e os descreveu em seu relatório, mas, não admitindo uma causa oculta, buscou alhures, no mundo material, onde não a encontrou. Os doentes se diziam atormentados por seres invisíveis; como, porém, ele não viu duendes nem diabretes, concluiu que os doentes eram loucos; e o que o confirmava nesta ideia é que aqueles por vezes diziam coisas notoriamente absurdas, mesmo aos olhos do mais firme crente nos Espíritos. Mas para ele tudo devia ser absurdo. Devia saber, como médico, que até em meio às divagações da loucura há, por vezes, revelações da verdade. Esses infelizes, diz ele, e os habitantes em geral, estão imbuídos de ideias supersticiosas. Mas que há de surpreendente numa população rural, ignorante e isolada em meio das montanhas? Que de mais natural que essa gente, terrificada pelos fenômenos, os tenha amplificado? E porque em seus relatos se misturassem fatos e apreciações ridículas, concluiu o Dr. Constant que tudo deveria ser ridículo, sem contar que aos olhos de quem quer que não admita a ação do mundo invisível, todos os efeitos resultantes dessa ação são relegados entre as crenças supersticiosas. Em favor desta última tese ele insiste muito sobre um fato, narrado pelos jornais da época, e que, talvez, se tenha inspirado nalguma imaginação assustadiça, exaltada ou doentia, segundo o qual certos enfermos subiam com a agilidade de gatos em árvores de quarenta metros de altura, caminhavam sobre os galhos sem os vergar, plantavam bananeira e desciam de cabeça para baixo sem nada sofrerem. Discute longamente para provar a impossibilidade da coisa e demonstrar que, segundo a direção do raio visual, a árvore assinalada não podia ser vista das casas de onde diziam ter visto o fato. Tanto esforço era inútil, pois lá nos disseram que o fato não era verdadeiro; reduzia-se a um rapazinho que, efetivamente, subira numa árvore de porte comum, mas sem fazer nenhuma demonstração de equilibrismo.

Assim descreve o Dr. Constant o histórico e os efeitos da doença.

(continua no próximo número.)


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