O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Setembro de 1861.

(Idioma francês)

CORRESPONDÊNCIA.


Carta do Sr. Mathieu sobre a mediunidade nas aves.

(Sumário)

1. — Paris,  †  11 de agosto de 1861.


Senhor,

Quem ainda vos escreve sou eu e, se o permitis, para prestar uma nova homenagem à verdade.

Somente hoje pude ler, no último número da Revista, vossas excelentes observações sobre a pretensa faculdade mediúnica das aves e me apresso em vo-lo agradecer com mais um serviço prestado à causa que ambos defendemos.

Várias exibições de aves maravilhosas têm ocorrido nestes últimos anos. Como eu conhecia o truque principal das habilidades executadas por esses interessantes galináceos, ouvia com muita pena e pesar certos espiritualistas, ou espíritas, atribuírem essas façanhas a uma ação mediúnica, o que devia fazer sorrir in petto, se assim me posso exprimir, os proprietários dessas aves. Mas o que eles não parecia;m apressados em desmentir, venho desmentir por eles, já que me forneceis a ocasião, não para prejudicar a sua indústria, o que me desgostaria, mas para impedir uma deplorável confusão entre os fatos que uma engenhosa paciência e uma certa habilidade de mãos produzem só neles e que a intervenção dos Espíritos produz em nós.

Estais coberto de razão quando dizeis: “Essas aves fazem coisas que nem o mais inteligente dos homens, nem mesmo o sonâmbulo mais lúcido poderiam fazer, levando-se a concluir que seriam dotadas de faculdades intelectuais superiores às do homem e assim contrariando as leis da Natureza: Esta consideração deveria atingir em cheio as pessoas excessivamente entusiastas, que não temem recorrer à faculdade mediúnica para explicar experiências que, à primeira vista, não compreendem. Infelizmente, os observadores frios e judiciosos são ainda muito raros e, entre os homens distintos que acompanham os nossos estudos, há os que nem sempre sabem defender-se contra a exaltação da imaginação e os perigos da ilusão.

Ora, quereis que vos diga o que me foi comunicado a respeito dessas aves maravilhosas, das quais, se vos lembrais, admiramos, juntos, uma amostra, certa noite? Um de meus amigos, amante de todas as curiosidades possíveis, mostrou-me um dia uma comprida estante de madeira, na qual estavam colocados, em grande número, pequenos cartões, dispostos uns ao lado dos outros. Nesses cartões estavam impressos palavras, números, estampas de baralho, etc. “Comprei-a – disse-me ele – de um homem que exibia aves sábias.” A venda incluía, também, a maneira de a usar.

Então o meu amigo, retirando da estante, vários desses cartões, fez-me notar que as bordas superiores e inferiores eram, uma completa, outra formada por duas folhas, separadas por uma fenda quase imperceptível e, sobretudo, invisível a distância.

Explicou-me em seguida que esses cartões deviam ser colocados na estante, ora com a fenda dirigida para baixo, ora para o alto, conforme se quisesse que a ave os tirasse da estante com o bico, ou não os tocasse. A ave estava previamente adestrada para atrair a si todos os cartões em que percebesse uma fenda. Parece que essa instrução preliminar era-lhe dada por meio de grãos de alpiste, ou de qualquer outra guloseima, colocados na fenda em questão; ela acabava por adquirir o hábito de bicar e, assim, por tirar da estante todos os cartões fendidos que aí encontrasse, andando de costas.

Tal é, senhor, o engenhoso ardil que meu amigo deu-me a conhecer. Tudo me leva a crer seja isto comum a todas as pessoas que exploram a indústria das aves inteligentes. Resta a tais pessoas o mérito de treiná-las para esse manejo com muita paciência e, talvez, um pouco de jejum – para as aves, bem entendido. Resta-lhes, também, com a maior habilidade possível, o mérito de salvar as aparências, quer pela conivência, que por hábil prestidigitação no manejo dos cartões, como no dos acessórios que figuram em suas experiências.

Lamento assim revelar o mais importante de seus segredos. Mas, por um lado, o público não verá com menos prazer aves tão bem adestradas, mesmo correndo o risco de tornar-se testemunha de coisas impossíveis; por outro lado, não me era possível deixar por mais tempo que uma opinião fosse aceita, quando a sua propagação não conduz senão à profanação de nossos estudos. Na presença de um interesse tão sagrado, creio que um silêncio complacente seria um escrúpulo exagerado. Se for também a vossa opinião, senhor, estais livre para comunicar esta notícia aos vossos leitores.

Aceitai, etc.

Mathieu.


2. — Certamente concordamos com o Sr. Mathieu e estamos felizes por nos termos encontrado com ele sobre esta questão. Agradecemos-lhe os detalhes que houve por bem nos transmitir, que, sem dúvida, agradarão aos nossos leitores. O Espiritismo é bastante rico em fatos notáveis, autênticos, sem admitir os que se referem ao maravilhoso e ao impossível. Somente um estudo sério e aprofundado da ciência espírita pode pôr em guarda as pessoas muito crédulas, considerando-se que tal estudo, ao dar a chave dos fenômenos, ensina-lhes os limites nos quais eles podem produzir-se.

Dissemos que se as aves operassem seus prodígios com conhecimento de causa e pelo esforço da inteligência, fariam o que não pode fazer nem o mais inteligente dos homens, nem o sonâmbulo mais lúcido. Isto nos lembra o sucessor do célebre Munito, que vimos, há vinte e cinco ou trinta anos, ganhar invariavelmente de seu parceiro o jogo de cartas, e dar o total de uma soma antes que pudéssemos fazer o cálculo. Ora, sem vaidade, nós nos julgamos um pouco mais forte no cálculo do que aquele cão. Sem a menor dúvida, havia ali cartas marcadas, como no caso das aves. Quanto aos sonâmbulos, alguns há, incontestavelmente, que são bastante lúcidos para fazerem coisas tão surpreendentes quanto fazem esses interessantes animais, o que não impede que nossa proposição seja verdadeira. Sabe-se que a lucidez sonambúlica, mesmo a mais desenvolvida, é, por natureza, essencialmente variável e intermitente; que está subordinada a uma multidão de circunstâncias e, acima de tudo, à influência do meio-ambiente; que raramente o sonâmbulo vê de modo instantâneo; que muitas vezes não pode ver em dado instante ou que verá uma hora mais tarde, ou no dia seguinte; que o que vê com uma pessoa, não o verá com outra. Supondo haja nos animais sábios uma faculdade análoga, seria preciso admitir que eles não sofressem nenhuma influência susceptível de a perturbar; que a tivessem sempre à sua disposição, a qualquer hora, vinte vezes por dia, se preciso for, e sem nenhuma alteração. É sobretudo no tocante a esse aspecto que dizemos fazerem eles o que o mais lúcido sonâmbulo é incapaz de fazer. O que caracteriza os truques de prestidigitação é a precisão, a pontualidade, a instantaneidade, a repetição facultativa, coisas todas contrárias à essência dos fenômenos puramente morais do sonambulismo e do Espiritismo, cujos efeitos se deve sempre aguardar e só raramente podem ser provocados.

Ainda que os efeitos de que acabamos de falar fossem devidos a processos artificiais, nada provariam contra a mediunidade dos animais em geral.

Assim, a questão seria saber se neles há ou não a possibilidade de servirem de intermediários entre os Espíritos e os homens. Ora, a incompatibilidade de sua natureza, a esse respeito, está demonstrada pela dissertação de Erasto, publicada em nosso número de agosto [Os animais médiuns], e a do mesmo Espírito sobre o papel dos médiuns nas comunicações, inserida no do mês de julho.


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