O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Céu e o Inferno — 2ª Parte.

ESPÍRITOS FELIZES.
(Idioma francês)

Capítulo II.

[Exemplo 7.]

Sra. viúva FOULON, nascida WOLLIS.

1. — A Srª Foulon, falecida em Antibes a 3 de fevereiro de 1865, residiu por muito tempo no Havre, onde granjeou a reputação de miniaturista habilíssima. De notável talento, aproveitou-o primeiro como simples amadora, mas, quando lhe sobrevieram necessidades, fez da sua arte proveitosa fonte de receita. 2 O que a tornava admirada e estimada, conquistando-lhe depois, da parte dos que a conheceram, uma recordação memorável, era sobretudo a amenidade do caráter, as qualidades pessoais, que só os íntimos podiam conhecer em toda a sua extensão. É que a Srª Foulon, como todos os que têm inato o sentimento do bem, não o alardeava, antes o considerava predicado natural. 3 Se houve pessoa sobre a qual o egoísmo não tenha tido ascendente, tal, sem dúvida, foi ela. Nunca, talvez, o sentimento da abnegação pessoal foi tão ampliado, pronta como estava sempre a sacrificar-lhe o repouso, a saúde e os interesses em proveito dos necessitados; 4 pode dizer-se que a sua vida foi uma longa série de sacrifícios, como também de rudes provações desde a mocidade, sem que a coragem e a resignação, a despeito delas, jamais lhe faltassem. Mas eis que a sua vista, cansada por meticuloso trabalho, extinguia-se dia a dia, a ponto de, com algum tempo mais, resultar em completa cegueira!

5 Foi então que o conhecimento da Doutrina Espírita se lhe tornou em oceano de luz, rasgando-lhe como que espesso véu para deixar-lhe entrever alguma coisa não totalmente desconhecida, mas da qual possuía apenas uma vaga intuição. Estudou-a com afinco, mas ao mesmo tempo com o critério de apreciação própria das pessoas, tal qual ela, dotadas de alta inteligência. 6 Fora preciso avaliar todas as incertezas, todas as dúvidas da sua existência, provenientes não dela, mas dos parentes, para julgar das consolações que hauriu na sublime revelação, e que lhe deram a fé inquebrantável do futuro, a consciência da nulidade das coisas terrenas.

7 Também a sua morte foi digna da vida que teve. Sem a mínima apreensão angustiosa, viu-a aproximar-se como libertação que lhe era das cadeias terrestres, ao mesmo tempo que lhe abria as portas da vida espiritual, com a qual se identificara no estudo do Espiritismo. E morreu calmamente, convicta de haver completado a missão que aceitara ao encarnar, pois cumprira escrupulosamente os deveres de esposa e mãe de família; e assim como durante a vida declinara de todo e qualquer ressentimento em relação àqueles de quem porventura pudera queixar-se por ingratos; e assim como sempre trocara o bem pelo mal, assim também desencarnou, perdoando-lhes, implorando para eles a bondade e a justiça divinas. 8 Desencarnou, finalmente, com a serenidade decorrente de uma consciência ilibada, e a convicção de que nem por isso se afastaria mais dos filhos, uma vez que poderia estar com eles em Espírito, aconselhá-los e protegê-los, fosse qual fosse o ponto do globo em que se achassem.

9 Logo que soubemos do trespasse da Srª Foulon, tivemos por primeiro cuidado o de evocá-la. As relações de amizade e simpatia, que a Doutrina estabelecera entre nós, explicam algumas das suas frases e justificam a familiaridade de linguagem.


I.


(Paris, 6 de fevereiro de 1865, três dias após o decesso.)

10 “Tendo como certo que havíeis de evocar-me logo após o desprendimento, prontificava-me para corresponder-vos, visto não ter experimentado qualquer perturbação; 11 esta só existe para os seres envoltos e submersos nas trevas do seu próprio Espírito.

12 “Pois bem! meu amigo, considero-me feliz agora; estes míseros olhos que se enfraqueceram a ponto de me não deixarem mais que a recordação de coloridos prismas da juventude, de esplendor cintilante; estes olhos, digo, abriram-se aqui para rever horizontes esplêndidos, idealizados em vagas reproduções por alguns dos vossos geniais artistas, mas cuja exuberância majestática, severa e conseguintemente grandiosa, tem o cunho da mais completa realidade.

13 “Não há mais de três dias que desencarnei e sinto que sou artista: as minhas aspirações, atinentes ao ideal do belo artístico, mais não eram que a intuição de faculdades adquiridas em anteriores existências e na última encarnação desenvolvidas. 14 Mas, quanto trabalho para reproduzir uma obra-prima e digna da grandiosa cena que se antolha ao Espírito chegado às regiões da luz! Pincéis! pincéis e eu provarei ao mundo que a arte espírita é o complemento da arte pagã, da arte cristã que periclita, cabendo somente ao Espiritismo a glória de revivê-la com todo o esplendor sobre vosso mundo deserdado.

15 “Isto é o bastante para a artista; e agora, à amiga:

“Por que vos incomodar assim, minha boa amiga (refere-se à Srª Allan Kardec), com o motivo da minha morte? Vós, principalmente, vós que conheceis as decepções e amarguras da minha existência devereis antes regozijar-vos em sabendo que não mais bebo na taça amarga das dores terrenas, taça esgotada até às fezes. 16 Crede-me: os mortos são mais felizes que os vivos e pranteá-los é duvidar das verdades espíritas. 17 Tornareis a ver-me, ficai certa. Se parti primeiro é porque finda estava a tarefa, que aliás cada qual tem na Terra. Assim, quando a vossa for completada, vireis repousar um pouco junto de mim para recomeçar mais tarde, atento ao princípio de que nada é inativo em a Natureza. 18 Todos temos más tendências, às quais obedecemos, o que é uma lei suprema e comprobatória da faculdade do livre arbítrio. Portanto, tende indulgência e caridade, minha amiga, sentimentos esses de que mutuamente carecemos, quer no mundo visível, quer no invisível. Com tal divisa, tudo vai bem.

19 “Não me direis para cessar de falar. Sabei, contudo, que, para a primeira vez, bem longa já vai a conversação, motivo pelo qual vos deixo, para dar a vez ao meu excelente amigo Sr. Kardec. 20 Quero agradecer-lhe as palavras afetuosas que houve por bem dirigir à amiga que no túmulo o precedeu, visto como escapamos de partir juntos para o mundo em que me encontro! (Alusão à enfermidade de que falara o Dr. Demeure.) que diria então a companheira amantíssima da nossa existência, se os bons Espíritos não tivessem intervindo? Teria chorado e gemido, o que até certo ponto compreendo; 21 é preciso, porém, que vele para que não mais vos exponhais a novo perigo, antes de ter concluído o trabalho da iniciação espírita, chegando antecipadamente entre nós e, qual Moisés, não vendo senão de longe a Terra da Promissão. É uma amiga que vo-lo diz — acautelai-vos.

22 “Agora parto para junto dos meus queridos filhos, depois do que irei ver, além-mar, se a minha ovelha viajora aportou à terra ou permanece à mercê das tempestades. (Refere-se a uma das filhas que residia na América.) Oxalá a protejam os bons Espíritos, aos quais para o mesmo fim vou reunir-me. Voltarei a conversar convosco, pois não vos esqueçais de que sou uma conversadora infatigável. Até breve, bons e caros amigos; até logo.”

Viuva Foulon.


II.


(8 de fevereiro de 1865.)

1. Cara Srª Foulon, considero-me satisfeito com a comunicação de há dias, na qual prometestes continuar a nossa conversação.

Crede que vos reconheci logo, por falardes de coisas desconhecidas do médium e muito próprias do vosso Espírito. A linguagem afetuosa para conosco é, seguramente, de uma alma amorosa como a vossa, conquanto notássemos nas palavras uma firmeza, uma segurança, uma pronúncia até então desconhecida em vós. Lembrai-vos certamente que neste sentido eu me permiti fazer-vos mais de uma advertência, em certas e determinadas circunstâncias.

R. É verdade, sim, porém, desde que enfermei gravemente, tratei de readquirir a firmeza de espírito, abalada pelos desgostos e vicissitudes que tantas vezes me fizeram tímida na Terra. 2 Eu disse para comigo : — Pois que és espírita, esquece a Terra; prepara-te para a transformação do teu ser e vê, pelo pensamento, a trilha luminosa que espera a tua alma após o desenlace, e pela qual deverás libertar-te, desembaraçada e feliz, às esferas celestes, onde, de futuro, irás habitar.

3 Dir-me-eis talvez que era um tanto presunçosa em contar com a perfeita felicidade, uma vez desencarnada; mas o fato é que eu sofrera tanto, tanto, que deveria expiar as faltas não só da última, como das anteriores encarnações. 4 Essa intuição não me iludia e foi ela quem me deu a coragem, a calma e a firmeza dos últimos momentos. Pois bem: essa firmeza cresceu de pronto quando, após a libertação, vi as esperanças realizadas.


2. Descrevei-nos agora a transição, o despertar e as primeiras impressões que aí recebestes.

R. Eu sofri, mas o Espírito sobrepujou o sofrimento material que o desprendimento em si lhe acordava. 2 Depois do último alento, encontrei-me como que em desmaio, sem consciência do meu estado, não pensando em coisa alguma, numa vaga sonolência que não era bem o sono do corpo nem o despertar da alma. 3 Nesse estado fiquei longo tempo, e depois, como se saísse de prolongada síncope, lentamente despertei no meio de irmãos que não conhecia. Eles prodigalizavam-me cuidados e carícias, ao mesmo tempo que me mostravam no Espaço um ponto algo semelhante a uma estrela, dizendo: “É para ali que vais conosco, pois já não pertences mais à Terra.” 4 Então, recordei-me; e, apoiada sobre eles, formando um grupo gracioso que se lança para as Esferas desconhecidas, mas na certeza de aí achar a felicidade, subimos, subimos, à proporção que a estrela se engrandecia… 5 Era um mundo feliz, um centro superior no qual a vossa amiga vai repousar. Quando digo repouso, quero referir-me às fadigas corporais que amarguei, às contingências da vida terrestre, não à indolência do Espírito, pois que este tem na atividade uma fonte de gozos.


3. Então deixastes a Terra definitivamente?

R. Deixo nela muitos entes queridos, para que possa separar-me definitivamente. 2 A ela virei, portanto, em Espírito, incumbida como estou de uma missão junto de meus filhinhos. 3 De sobejo sabeis que nenhum obstáculo se opõe à vinda à Terra, à visita, em suma, dos Espíritos que demoram em mundos superiores.


4. A vossa posição de agora poderia de algum modo diminuir ou enfraquecer as relações com os que aqui deixastes?

R. Não, meu amigo, o amor aproxima as almas. 2 Ficai certo de que na Terra podeis estar mais próximos dos que atingiram a perfeição, do que daqueles que por sua inferioridade e egoísmo gravitam ao redor da Esfera terrestre. 3 A caridade e o amor são dois motores de poderosa atração, a qual consolida e prolonga a união das almas, a despeito de distâncias e lugares. 4 A distância só existe para os corpos materiais, nunca para os Espíritos.


5. Que ideia fazeis agora dos meus trabalhos sobre Espiritismo?

R. Parece-me que sois um missionário e que o fardo é pesado, mas também prevejo o fim da vossa missão e sei que o atingireis; 2 ajudar-vos-ei no que estiver ao meu alcance, com os meus conselhos de Espírito, para que possais superar as dificuldades que vos serão suscitadas, animando-vos, enfim, a tomar medidas concernentes à dinamização do movimento renovador em que se funda o Espiritismo, isto enquanto aí permanecerdes. 3 Demeure, o vosso amigo, unido ao Espírito de Verdade, vos será mais útil ainda, porquanto é mais sábio e ponderado do que eu; 4 sei que a assistência dos bons Espíritos vos fortalece e sustenta no vosso labor, e assim também vos asseguro o meu concurso sempre e em qualquer parte.


6. De algumas das vossas palavras pode inferir-se que não prestareis mui ativa colaboração pessoal na propagação do Espiritismo?

R. Enganais-vos. O fato é que vejo tantos outros Espíritos mais capazes do que eu de tratar deste assunto, aliás tão importante, que uma timidez invencível me impede de vos responder conforme desejais. Provavelmente assim acontecerá, e eu me animarei com denodo desde que melhor conheça esses Espíritos. 2 Há quatro dias apenas que deixei a Terra e, conseguintemente, ainda estou sob a influência deslumbradora de tudo que me cerca. Dar-se-á o caso de não me compreenderdes? Não encontro meios de exprimir as sensações novas que experimento. Esforço-me a todo o transe para fugir à fascinação que sobre o meu ser exercem as maravilhas por ele admiradas. 3 A única coisa que posso fazer é adorar e render graças a Deus nas suas obras. Mas essa impressão se desvanecerá e os Espíritos asseguram-me que dentro em breve estarei acostumada a todas estas magnificências, de modo a poder tratar com lucidez espiritual de todas as questões concernentes à renovação da Terra. A tal circunstância deveis juntar mais a de ter eu uma família a consolar.

4 Adeus e até breve, caro mestre. A vossa boa amiga ama-vos e amará sempre, visto como a vós exclusivamente deve a única consolação duradoura e verdadeira que teve na Terra.

Viuva Foulon.


III.


A comunicação seguinte foi destinada a seus filhos em data de 9 de fevereiro:

1 “Meus amantíssimos filhos, Deus retirou-me de junto de vós, mas a recompensa que se dignou conceder-me é bem maior que o pouco que fiz na Terra. 2 Resignai-vos, queridos filhos, às vontades do Onipotente e tirai, de tudo quanto vos permitiu receberdes, a força para suportar as provações da vida. Tende firme no coração a crença que tanto me facilitou a passagem para este mundo. 3 Depois da morte, Deus, tal como já o havia feito na Terra, estendeu sobre mim o manto da sua misericórdia infinita. A Ele deveis agradecer os benefícios de que vos cumula. Abençoai-o, meus filhos, bendizei-o sempre, a todo o instante. 4 Não percais nunca de vista o que vos foi indicado, nem o caminho a trilhar. Meditai sobre a aplicação do tempo que Deus vos determinou na Terra. Aí sereis felizes, meus queridos filhos, felizes uns pelos outros, desde que a união reine entre vós. Felizes ainda com vossos filhos, se os educardes nos mesmos sãos princípios que Deus permitiu vos fossem revelados.

5 Não me podeis ver, é certo; mas convém que saibais que os elos que aí nos ligavam não se espedaçaram pela morte do corpo, visto como não era o invólucro, mas o Espírito que nos unia. E assim é que me será possível, por bondade do Onipotente, guiar-vos, encorajar-vos, para de novo nos juntarmos, quando para vós terminar essa jornada.

6 “Caros filhos, cultivai carinhosamente esta crença sublime. A vós que a tendes, belos dias vos aguardam. Isso mesmo já vos disseram, porém a mim não estava fadado o ver esses dias aí na Terra. Será do Alto, pois, que julgarei os belos tempos prometidos pelo Deus de bondade, de justiça e misericórdia.

7 “Não choreis, meus filhos. Possam estas comunicações fortalecer-vos na fé, no amor de Deus, esse Deus que tantos benefícios nos prodigalizou, que tantas e tantas vezes socorreu vossa mãe. Orai sempre, que a prece revigora. 8 Conformai-vos com as prescrições por mim tão ardentemente seguidas, quando como vós encarnada. Voltarei, meus filhos, mas é preciso consolar a filha que de mim tanto precisa agora. Adeus, até breve. Eu vo-lo suplico por vós: crede na bondade divina. Até sempre.”

Viuva Foulon.


NOTA. 9 Todo Espírito esclarecido e sério tirará com facilidade, destas comunicações, os ensinamentos que delas ressaltam. Nós apenas lhe chamaremos a atenção para os dois pontos seguintes: 10 Primeiro — a possibilidade, por este exemplo demonstrada, de não mais ser preciso encarnar na Terra e passar a um mundo superior, sem ficar separado dos seres afeiçoados que aqui deixamos. 11 Assim, os que temem a reencarnação, em virtude das misérias terrenas, podem conjurá-la, trabalhando para o seu adiantamento. E assim procederá aquele que não quiser vegetar nas camadas inferiores, fazendo o possível por instruir-se, por trabalhar e graduar-se.

12 O segundo ponto é a confirmação do fato de estarmos menos separados na morte do que na vida, dos seres que nesta nos foram caros. 13 Retida pela enfermidade e pelos anos numa pequena cidade do Sul, a Srª Foulon apenas conservava junto de si uma pequena parte de sua família. Estando a maior parte dos filhos e dos amigos dispersos e afastados, obstáculos materiais impediam que os visse tantas vezes quantas porventura o desejaria. Para alguns, a distância dificultava a própria correspondência. Apenas desencarnada, a Srª Foulon, célere, corre para perto de cada um, percorre distâncias sem fadiga, rápida qual a eletricidade, e os vê e assiste às suas reuniões íntimas, protege-os e pode, servindo-se da mediunidade, entreter-se com eles a todo instante, como se viva na Terra fora. 14 E dizer-se que, a uma perspectiva tão consoladora, ainda há, quem prefira a ideia de uma eterna separação!


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